Avaliação, acreditação e regulação

João Vasconcelos Costa 

A avaliação é tema já bem interiorizado na cultura universitária. Voltou a estar agora em foco, com a iniciativa do MCTES de promover uma avaliação global do sistema e outra avaliação do próprio sistema de avaliação português. Escrevi sobre isto alguns apontamentos ligeiros e com isto sinto-me no dever de abordar este tema com maior profundidade. Neste artigo, proponho-me discutir integradamente três aspectos da política da educação superior que nem sempre são vistos como, segundo penso, indissociáveis: a avaliação, a acreditação e a regulação (não tenho culpa da cacofonia). Desde há anos, no meu livro “A universidade no seu labirinto” [1], já de 2001, creio que ainda muito actual, e em artigos diversos, já escrevi sobre avaliação, acreditação e regulação [234], mas creio que é boa altura, com os posteriores desenvolvimentos do processo de Bolonha, para voltar ao assunto.

Neste artigo, forçosamente de dimensão pouco adequada ao tratamento exaustivo dos três temas, avaliação, acreditação e regulação, a avaliação e a acreditação serão tratadas em geral e principalmente como fundamentos da proposta que faço para o mecanismo de regulação. Admito que seja um artigo demasiadamente genérico, mas a intenção é a de chamar a atenção pra a relação estreita entre os três processos. Em futuro próximo, desenvolverei cada um deles separadamente. 

A autonomia e a avaliação

Não me vou alongar sobre este tema, tão óbvio ele me parece. O nosso regime legal de autonomia da educação superior é o mais liberal de todos os que conheço, e conheço muitos. As instituições de ensino superior (IES) nem parecem organismos do Estado. O principal poder fáctico do governo, o do financiamento, nem as afecta, abrangidas que estão por uma fórmula aritmética de financiamento, embora, este ano, já com alguma correcção qualitativa. Os seus estatutos podem ser o mais conservador e ineficaz possível, mas o governo só os pode recusar por vício de forma. A oferta de cursos não é regulada e as IES põem no “mercado”  o que lhes apetece. Escrevo mercado entre aspas porque não é um verdadeiro mercado. Começa por ser assimétrico, desinformado. Depois, os produtos não são sujeitos a concorrência, têm à partida a garantia de financiamento. O único poder regulador do Estado é exercido através da fixação do numero de vagas e, teoricamente, da inelegibilidade dos cursos para efeitos de financiamento.

Por muito que custe ao corporativismo universitário, de que muito raramente se ouvem vozes contra esta situação anómala num Estado democrático que responde perante os cidadãos e contribuintes, não é aceitável tal margem de liberdade de um sector público com a importância da educação superior.

As universidades, a meu ver, ainda não encaram a avaliação do ponto de vista da prestação de contas (“accountability”), um dos princípios da moderna administração pública. Não é de admirar, porque prestação de contas é coisa que as IES, de forma geral, não fazem. Os relatórios de actividade só têm difusão interna e mesmo assim, restrita, as contas não são publicadas nem auditoradas e não há um órgão de fiscalização. Mas esta transparência não se devia esgotar num único momento anual. Todos os documentos importantes deviam estar acessíveis na Internet. Como situação excepcional, já vi com agrado um ou outro “site” universitário renovado em que até estão incluídas todas as resoluções do senado.

O Estado concede às universidades um alto grau de independência, de capacidade própria de se organizarem, de definirem as suas estratégias e executá-las livremente. Tem o direito, mesmo o dever, de se certificar de que os meios assim disponibilizados foram devidamente usados, de avaliar o progresso da actividade das universidades. Os contribuintes pagam o seu financiamento, em montante avultado. A sociedade exige-lhes múltiplas funções e tem o direito de esperar que elas sejam cumpridas com qualidade. Por tudo isto, as universidades têm o dever de corresponder à sua autonomia com responsabilidade social e prestação de contas.

O mínimo que os cidadãos devem exigir é uma informação rigorosa sobre a forma como desempenha tão importante sistema público e como se gastam os dinheiros públicos. É aqui que entra uma fórmula indiscutível: a autonomia é indissociável da avaliação.

Sobre isto, importa realçar que, tendo a cultura universitária tantos vícios, ao menos já assimilou bem a cultura de avaliação. Os professores têm colaborado bem na auto-avaliação, conhecem bem o consagrado método SWOT, prestam-se ao trabalho de avaliação. Na sua componente de investigação, há muito que se habituaram à avaliação concorrencial dos projectos de investigação que apresentam. Mais ainda, sentem na sua própria evolução de carreira como a avaliação é integrante obrigatória da actividade universitária.

Onde sempre houve maior relutância foi na repercussão da avaliação no financiamento. No entanto, os universitários aceitam-na em relação ao financiamento das unidades e projectos de investigação. Quanto ao financiamento das IES, propriamente ditas, a situação está a mudar e foram as universidades, por intermédio do CRUP, que propuseram parâmetros de qualidade (rendimento escolar e qualificação do corpo docente) na fórmula de financiamento, embora só parâmetros quantitativos não resultantes de uma avaliação qualitativa. Mas, mesmo assim, os critérios de qualidade só têm consequências financeiras positivas, não penalizadoras.

A avaliação em Portugal

É consensual que, em geral, a avaliação tem sido um processo bem sucedido em Portugal. Ressalve-se que é um exemplo de uma inovação que foi iniciativa das próprias universidades, por proposta de 1993, consagrada no ano seguinte na Lei nº 38/94, de 21 de Novembro, e na criação do Conselho Nacional de Avaliação da educação superior (CNAVES), pelo Decreto Lei nº 205/98, de 11 de Julho. A avaliação das universidades públicas teve um primeiro ciclo já concluído, que prossegue actualmente com um segundo ciclo de avaliação. Posteriormente à avaliação das universidades públicas, deu-se início também à avaliação das universidades privadas e do ensino politécnico, público e privado.

Uma das características marcantes da nossa avaliação é a sua acentuada endogamia (no que não somos caso único). A responsabilidade pelo processo de avaliação e a nomeação dos peritos das comissões externas compete a entidades representativas das próprias instituições avaliadas, como são a Fundação das Universidades Portuguesas, a Associação dos Institutos Superiores Politécnicos Portugueses e a Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado. Nas comissões externas, a inclusão de estrangeiros é vestigial. O próprio CNAVES é composto exclusivamente por académicos, incluindo três estudantes. Há duas comissões externas, das ordens e associações externas, e das actividades económicas, mas, honestamente, desconheço a sua relevância no processo de avaliação. A endogamia da avaliação já foi, aliás, criticada em relatório do próprio presidente do CNAVES [5].

Não me parece uma situação saudável, em relação à independência que se exige sempre num processo de avaliação. No entanto, não somos caso único, em relação à situação na Europa. Talvez por influência da experiência pioneira que foi a avaliação na Holanda em 1988, a cargo da associação das universidades, um bom número de países da União Europeia e associados têm a avaliação entregue às próprias universidades e suas associações, por vezes sem qualquer envolvimento de entidades externas, o que nós sempre vamos tendo, mesmo que reduzidamente. Mas também há outros casos em que a avaliação compete a agências independentes tanto do governo como das universidades e com grande participação de representantes sociais. São, por exemplo, os casos dos países escandinavos, da França ou do Reino Unido. Pessoalmente, a minha simpatia vai para este modelo, oposto ao nosso, sem prejuízo de reconhecer que, tanto quanto se vê dos resultados da avaliação em Portugal, aquele peso das universidades não tem prejudicado o rigor e a independência da avaliação.

Como se sabe, a avaliação tem sido programática, ao estilo do que era mais corrente na Europa naquela época. Isto quer dizer que uma instituição não é avaliada no seu conjunto, mas curso a curso. A avaliação é por áreas disciplinares, feita por uma só comissão externa por cada área e abrange todos os cursos da área, das diversas instituições. É portanto uma avaliação estritamente pedagógica – embora a lei não o imponha – que tem estado totalmente separada da avaliação das unidades de investigação.

Tendo lido muitos dos relatórios de avaliação externa, concordo com a opinião de que são um instrumento de valia para o conhecimento do nossa educação superior. Como não podia deixar de ser, a sua qualidade parece-me desigual: alguns dão boa atenção a aspectos mais em foco na modernização do ensino e seus paradigmas; outros têm uma abordagem mais convencional. Também se nota clara evolução do primeiro para o segundo ciclo. Em muitos dos primeiros relatórios, havia pouca incisão e revelavam algum carácter de “caixa de ressonância” do sistema, com frequentes desculpabilizações por falta de condições de funcionamento universitário facultadas pelo governo. 

Só recentemente é que os relatórios de avaliação, mas em grau muito variável, introduzem algum tipo de classificação (“rating”), mas desconexa no que respeita a itens classificados e até em relação à terminologia (por exemplo, muito bom, bom, suficiente, etc.; ou adequado, a melhorar ou insatisfatório). É notória a diferença para a clareza e uniformidade da classificação resultante da avaliação das unidades de investigação. 

A intenção prevalecente na avaliação que se tem feito, e que aparece com ênfase nos objectivos legais da avaliação, é a da promoção da qualidade. Não me sinto apto a ter uma ideia global do sucesso desta intenção. À partida, tenho algumas dúvidas, por não haver um verdadeiro mecanismo de seguimento (“follow up”). É possível que a opinião generalizada de que os relatórios têm tido grandes resultados na correcção interna de deficiências resulte de amplificação de alguns casos e que tenha algum componente de “wishful thinking”. Isto é muito compreensível, porque, com a nossa dimensão, há uma grande sobreposição de situações de avaliador e de avaliado. 

A avaliação e Bolonha

Desde a declaração de Bolonha que a avaliação é um aspecto apresentado como essencial para a construção de um espaço europeu de educação superior credível, competitivo e atractivo: “Promotion of European co-operation in quality assurance with a view to developing comparable criteria and methodologies”.

As declarações seguintes reforçaram e deram conteúdo mais explícito a esta linha de acção do processo de Bolonha. Anote-se, porém, que não se fala apenas de avaliação. Esta é apenas um dos instrumentos da garantia de qualidade.

Praga, 2001: “Ministers recognized the vital role that quality assurance systems play in ensuring high quality standards and in facilitating the comparability of qualifications throughout Europe. They also encouraged closer cooperation between recognition and quality assurance networks. They emphasized the necessity of close European cooperation and mutual trust in and acceptance of national quality assurance systems. Further they encouraged universities and other higher education institutions to disseminate examples of best practice and to design scenarios for mutual acceptance of evaluation and accreditation/certification mechanisms. Ministers called upon the universities and other higher educations institutions, national agencies and the European Network of Quality Assurance in Higher Education (ENQA), in cooperation with corresponding bodies from countries which are not members of ENQA, to collaborate in establishing a common framework of reference and to disseminate best practice. “

Berlim, 2003: “The quality of higher education has proven to be at the heart of the setting up of a European Higher Education Area. Ministers commit themselves to supporting further development of quality assurance at institutional, national and European level. They stress the need to develop mutually shared criteria and methodologies on quality assurance. They also stress that consistent with the principle of institutional autonomy, the primary responsibility for quality assurance in higher education lies with each institution itself and this provides the basis for real accountability of the academic system within the national quality framework.”

Bergen, 2005: “Almost all countries have made provision for a quality assurance system based on the criteria set out in the Berlin Communiqué and with a high degree of cooperation and networking. However, there is still progress to be made, in particular as regards student involvement and international cooperation. Furthermore, we urge higher education institutions to continue their efforts to enhance the quality of their activities through the systematic introduction of internal mechanisms and their direct correlation to external quality assurance. We adopt the standards and guidelines for quality assurance in the European Higher Education Area as proposed by ENQA. We commit ourselves to introducing the proposed model for peer review of quality assurance agencies on a national basis, while respecting the commonly accepted guidelines and criteria. We welcome the principle of a European register of quality assurance agencies based on national review. We ask that the practicalities of implementation be further developed by ENQA [6] in cooperation with EUA [7], EURASHE [8] and ESIB [9] with a report back to us through the Follow-up Group. We underline the importance of cooperation between nationally recognised agencies with a view to enhancing the mutual recognition of accreditation or quality assurance decisions.” (Referências minhas).

Entretanto, muito se tem discutido sobre a avaliação. Por economia de espaço, não me é possível escrever mais, mas aconselho os leitores a procurarem informação nas fontes que acabo de referir.

A avaliação, hoje

Nos últimos anos, muitas ideias novas, muitas vezes consensuais, emergiram das numerosas discussões no quadro do processo de Bolonha. Resumidamente, vamos discuti-las de pontos de vista: 1. os objectivos e a lógica da avaliação; 2. o âmbito e organização da avaliação; 3. a relação com a acreditação. Este último ponto fica para capítulo posterior.

1. Os objectivos e a lógica da avaliação

Onde há alguma disparidade é nos objectivos da avaliação que, no nosso caso, são estipulados como sendo: “estimular a melhoria da qualidade das actividades desenvolvidas; informar e esclarecer a comunidade educativa e a comunidade portuguesa em geral; assegurar um conhecimento mais rigoroso e um diálogo mais transparente entre as instituições de ensino superior; e contribuir para o ordenamento da rede de instituições de ensino superior”. 

À nossa maneira, estes objectivos são, ao mesmo tempo, indiscutíveis, mas formulados de forma não operacional. Destes objectivos, ressalta evidentemente o do estímulo da qualidade, que é comum a todos os sistemas europeus de avaliação. No entanto, suscita algumas dúvidas. Em primeiro lugar a da eficácia, porque é um objectivo interno ao sistema e sem controlo prático, por falta de seguimento (“follow up”) ou de prémio/penalização da aceitação ou não das recomendações da avaliação. Depois, a da interiorização. Até que nível chegam, como motivo de reforma, as recomendações das avaliações? Tomemos um exemplo, o das oito avaliações institucionais feitas às nossas universidades pela antiga CRE (Conferência dos Reitores Europeus). Quantos dirigentes dessas universidades as discutiram? Quantos professores? Que resultados tiveram? No caso que conheço pessoalmente (com muitas horas de trabalho pessoal nesse exercício), foi mais um documento para a gaveta.

Outro problema deste tipo de avaliação é a sua subjectividade, embora muito determinada por padrões gerais consensuais. Só agora é que se começam a desenhar os padrões objectivos para a avaliação, expressos nos quadros gerais de qualificações (a prioridade da reunião de Bergen, mas já aplicados desde há anos no Reino Unido [10]). Estes quadros listam, no plano geral, as competências gerais e específicas e os conhecimentos específicos para a diplomação em cada área. Ao nível a que são formulados, não impedem a diversidade das ofertas, mas dão-lhe coerência a nível nacional (talvez, futuramente, também internacional).

Outro objectivo ou critério da avaliação incide fortemente no cumprimento dos objectivos institucionais (“fitness for purpose”). Isto só faz sentido quando há missões diversificadas, o que não acontece entre nós, com os objectivos uniformes das instituições, registados na lei e copiados em todos os estatutos. Já tenho observado que a maioria dos nossos universitários desconhece o que é um “mission statement”.

Finalmente, o objectivo para mim mais importante, o da defesa do consumidor, aliás um valor essencial em toda a nossa vida quotidiana. As universidades estão tão isentas disto, em relação aos seus produtos, como uma empresa de produtos alimentares proibida de usar produtos tóxicos.

Como escrevi atrás, o consumidor do mercado de ensino superior é dos mais desprotegidos. Candidata-se a um curso por diversas razões muito condicionantes, como sejam a proximidade geográfica e a probabilidade de acesso, mas não tem qualquer ideia sobre a relação valor/preço do que lhe é oferecido.

Mas isto significa para as IES colocarem-se na lógica da competição, de que fogem como o diabo da cruz. A sua tendência é neutralizarem-se e nivelarem-se. Como se sabe, a nivelação faz-se geralmente por baixo. 

2. O âmbito e organização da avaliação

Também nesta perspectiva, há que considerar, em articulação com os objectivos da avaliação, a forma como ela é feita. A experiência mais antiga, iniciada na Holanda dos anos oitenta, foi a da avaliação programática, transversal a todas as universidades e por áreas disciplinares. É a que temos tido.

A avaliação programática tem sido defendida por ter vantagens que reconheço. É comparativa, permite homogeneizar critérios para cada curso e definir padrões comuns de avaliação, o que é reforçado na prática por a avaliação de cada curso ficar a cargo de uma única comissão de peritos. Lidando com um âmbito estreito, é mais fácil constituírem-se esses grupos de peritos, numa base monodisciplinar, enquanto que a avaliação integrada ou é feita por numerosos peritos especializados que podem ser de difícil integração ou então corre o risco de ser feita por generalistas.

No entanto, é evidentemente uma avaliação amputada, como se fosse possível compartimentar estanquemente, numa universidade, o ensino, a investigação e a governação estratégica. Ela ignora aspectos determinantes do bom funcionamento das escolas, como sejam o desenho da sua estrutura, a composição e funcionamento dos seus órgãos, a eficácia da circulação de informação, os mecanismos de formação da opinião colectiva, as normas e procedimentos administrativos e a articulação com os interesses sociais externos. Ignora a existência ou não de políticas de promoção da qualidade e os seus objectivos, os mecanismos de controlo. Esta avaliação limitada é como se se fizesse uma avaliação a uma empresa avaliando apenas a qualidade dos seus produtos e mesmo só de parte dos produtos, esquecendo totalmente a sua estrutura organizacional, os seus modos de funcionamento, a sua gestão, o seu “cash flow” e a qualidade do seu pessoal. O Nasdaq nunca aceitaria isso.

Já nos tempos iniciais da avaliação na Europa, alguns países (a própria pioneira, a Holanda, o Reino Unido, a França, a Irlanda ou Noruega) criaram mecanismos práticos para o cruzamento, a nível departamental, da avaliação pedagógica e da investigação. Outros, desde o início, procederam a esta investigação integrada, como a Dinamarca e a Islândia. 

Chegado aqui, é necessário desfazer uma ambiguidade terminológica. Há uns anos, chamava-se a esta avaliação global a avaliação institucional. Hoje, entre nós, mas não nas discussões internacionais, vejo considerar a avaliação institucional como a bem conhecida “quality audit”, como fez a CRE, orientada apenas para os mecanismos de garantia da qualidade. Adapto-me ao actual uso português e vou chamar a esta avaliação integral que defendo avaliação funcional.

Isto vem ao encontro das últimas orientações do CNAVES, com que concordo. As universidades portuguesas vão passar a ser avaliadas por áreas funcionais e, cada uma delas, em termos de todas as suas actividades. Muito bem.

No entanto, haverá dificuldades, a primeira das quais por não haver um nível estrutural que permita uma avaliação integrada do ensino, da investigação e da eficiência da gestão. Em muitos países, esse nível é claramente o do departamento. Entre nós, é difícil, porque departamentos de ensino e unidades/centros de investigação muitas vezes não se sobrepõem. Creio que, actualmente, o mais sensato e pragmático será definir as faculdades como as áreas funcionais de avaliação, excepto no caso das universidades departamentadas.

3. A avaliação internacional

Bolonha introduziu inevitavelmente uma dimensão europeia na avaliação. O reconhecimento mútuo das educações superiores ou é feito por inaceitável uniformização e burocratização ou por confiança mútua nos mecanismos nacionais de avaliação e de garantia de qualidade. Daí a importância que tem tido a ENQA [6] no processo de Bolonha.

Apesar de alongar este texto, vale a pena reproduzir as principais recomendações do seu documento “Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area” [11]: 

“The main results and recommendations of the report are: 
• There will be European standards for internal and external quality assurance, and for external quality assurance agencies. 
• European quality assurance agencies will be expected to submit themselves to a cyclical review 
within five years. 
• There will be an emphasis on subsidiarity, with reviews being undertaken nationally where possible. 
• A European register of quality assurance agencies will be produced. 
• A European Register Committee will act as a gatekeeper for the inclusion of agencies in the register. 
• A European Consultative Forum for Quality Assurance in Higher Education will be established. 
When the recommendations are implemented: 
• The consistency of quality assurance across the European Higher Education Area (EHEA) will be improved by the use of agreed standards and guidelines. 
• Higher education institutions and quality assurance agencies across the EHEA will be able to use common reference points for quality assurance. 
• The register will make it easier to identify professional and credible agencies. 
• Procedures for the recognition of qualifications will be strengthened. 
• The credibility of the work of quality assurance agencies will be enhanced. 
• The exchange of viewpoints and experiences amongst agencies and other key stakeholders (including higher education institutions, students and labour market representatives) will be enhanced through the work of the European Consultative Forum for Quality Assurance in Higher Education. 
• The mutual trust among institutions and agencies will grow. 
• The move toward mutual recognition will be assisted. 
Part 1: European standards and guidelines for internal quality assurance within higher education institutions
1.1 Policy and procedures for quality assurance: Institutions should have a policy and associated procedures for the assurance of the quality and standards of their programmes and awards. They should also commit themselves explicitly to the development of a culture which recognises the importance of quality, and quality assurance, in their work. To achieve this, institutions should develop and implement a strategy for the continuous enhancement of quality. The strategy, policy and procedures should have a formal status and be publicly available. They should also include a role for students and other stakeholders. 
1.2 Approval, monitoring and periodic review of programmes and awards: Institutions should have formal mechanisms for the approval, periodic review and monitoring of their programmes and awards. 
1.3 Assessment of students: Students should be assessed using published criteria, regulations and procedures which are applied consistently. 
1.4 Quality assurance of teaching staff: Institutions should have ways of satisfying themselves that staff involved with the teaching of students are qualified and competent to do so. They should be available to those undertaking external reviews, and commented upon in reports. 
1.5 Learning resources and student support: Institutions should ensure that the resources available for the support of student learning are adequate and appropriate for each programme offered. 
1.6 Information systems: Institutions should ensure that they collect, analyse and use relevant information for the effective management of their programmes of study and other activities. 
1.7 Public information: Institutions should regularly publish up to date, impartial and objective information, both quantitative and qualitative, about the programmes and awards they are offering. 
Part 2: European standards for the external quality assurance of higher education
2.1 Use of internal quality assurance procedures: External quality assurance procedures should take into account the effectiveness of the internal quality assurance processes described in Part 1 of the 
European Standards and Guidelines. 
2.2 Development of external quality assurance processes: The aims and objectives of quality assurance processes should be determined before the processes themselves are developed, by all those 
responsible (including higher education institutions) and should be published with a description of the procedures to be used. 
2.3 Criteria for decisions: Any formal decisions made as a result of an external quality assurance activity should be based on explicit published criteria that are applied consistently. 
2.4 Processes fit for purpose: All external quality assurance processes should be designed specifically to ensure their fitness to achieve the aims and objectives set for them. 
2.5 Reporting: Reports should be published and should be written in a style, which is clear and readily accessible to its intended readership. Any decisions, commendations or recommendations contained in reports should be easy for a reader to find. 
2.6 Follow-up procedures: Quality assurance processes which contain recommendations for action or which require a subsequent action plan, should have a predetermined follow-up procedure which is implemented consistently. 
2.7 Periodic reviews: External quality assurance of institutions and/or programmes should be undertaken on a cyclical basis. The length of the cycle and the review procedures to be used should be clearly defined and published in advance. 
2.8 System-wide analyses: Quality assurance agencies should produce from time to time summary reports describing and analysing the general findings of their reviews, evaluations, assessments etc. 
Part 3: European standards for external quality assurance agencies
3.1 Use of external quality assurance procedures for higher education: The external quality assurance of agencies should take into account the presence and effectiveness of the external quality assurance processes described in Part 2 of the European Standards and Guidelines. 
3.2 Official status: Agencies should be formally recognised by competent public authorities in the European Higher Education Area as agencies with responsibilities for external quality assurance and should have an established legal basis. They should comply with any requirements of the legislative jurisdictions within which they operate. 
3.3 Activities: Agencies should undertake external quality assurance activities (at institutional or programme level) on a regular basis.” 

Pra já, não desenvolverei porque estas linhas de orientação da ENQA me satisfazem, em geral. 

Outro aspecto importante é o da internacionalização da avaliação nacional. A participação de estrangeiros de prestígio a todos os níveis da avaliação é essencial. Ela tem ocorrido na avaliação das unidades de investigação mas menos na avaliação do ensino. No entanto, não a mitifico, porque há aspectos práticos a considerar: em muitas áreas de conhecimento, publicam-se trabalhos importantes mas ainda principalmente em português. Escrevem-se longos textos, de difícil apreciação pelos avaliadores. Muitos professores dessas áreas nem são capazes de comunicar em inglês com os avaliadores. Muito mais. Não quero dizer que concorde com esta situação, mas há que ser realista. 

4. Os efeitos da avaliação

No início da avaliação, não só em Portugal, imperou a ideia virtuosa de que a avaliação era um processo interno ao sistema (logo, conduzida pelas próprias instituições) e visando o auto-aperfeiçoamento. Desde logo, a tese de que a avaliação não devia ter consequências na politica da educação superior, mormente no financiamento. A meu ver, esta posição caducou, principalmente com as dificuldades financeiras. Aliás, teoricamente, reflectia uma visão isolacionista, de recusa de responsabilização e de correspondência ao esforço público.

Creio que esta visão ainda impera entre nós, mas discordo. Todos os sectores do serviço público estão hoje em crise de sustentabilidade (serviço nacional de saúde, reformas e segurança social, educação). Se os queremos manter, como é imperativo da nossa lógica europeia de estado social – e bem bom que ele é assim – há que racionalizar os custos cada vez mis incomportáveis e valorizar o máximo a qualidade e eficiência dos serviços.
Neste sentido, apoio fortemente que a avaliação se traduza em classificações operacionais com reflexo forte

  • No financiamento ordinário;
  • No investimento selectivo, com base em contratos-programa;
  • Na acreditação de graus e cursos;
  • Nas vantagens de carreira, designadamente na abertura de lugares de professores nos escalões mais altos e em financiamentos consignados à progressão por mérito.

A acreditação

Embora obviamente baseado na avaliação, a acreditação é um processo diferente. A avaliação resulta, mais ou menos explicitamente, numa classificação As nossas universidades detestam os “rankings”, com alguma razão dado o seu artificialismo globalizante, mas vão ter de se habituar, para todos os efeitos, financiamento incluído, aos “ratings” (classificações).

Na acreditação, não há classificações, é um processo de tudo ou nada. O que se define são padrões mínimos de qualidade. Quem os ultrapasse é acreditado mas isto, só por si, não dá uma posição de competitividade.

Hoje, a acreditação está em foco na discussão do processo de Bolonha. Que padrões? Quem acredita? Que valor internacional têm as acreditações nacionais?
Um dos riscos que, a meu ver, se está a correr, é o de se separar, à americana, avaliação e acreditação. Nos EUA, a acreditação, para efeitos de mercado da educação superior, é mais importante do que a avaliação. Até é um negócio, como o tradicional “by appointment of Her Majesty” nas garrafas de uísque. As agencias de acreditação competem entre si. As que acreditam as melhores universidades ganham neste mercado. É um ciclo vicioso e perverso.

Na Europa, a situação está indefinida. Por um lado, e a meu ver muito bem, a European Network for Quality Assurance (ENQA) [6] defende uma grande relação entre a acreditação e a qualidade das agências, em termos de avaliação, e com ênfase no nível nacional, embora com reconhecimento internacional mútuo. Mas já a nível da Comissão Europeia, cada vez mais liberalizante, vêem-se perspectivas, a meu ver perigosas, de liberalização deste epi-mercado da educação superior, o da acreditação. Admite-se que seja uma actividade empresarial. Isto, ao mesmo tempo, vai ao encontro da burocracia de Bruxelas, porque se teria de criar uma agência comunitária de acreditação dos acreditadores! 

Surpreendentemente, ouço agora algumas vozes portuguesas inicialmente criticas disto, até com uma tónica catastrófica, a defender a tese de que avaliação e acreditação não têm nada que ver. A avaliação é um processo nobre, produto de uma comunidade abstracta de grandes académicos, que se encarregam da avaliação como processo exclusivamente interno, na expectativa de que processos destes são obrigatoriamente virtuosos e não corporativos. Acreditação, é coisa burocrática, a nível de empresas ou repartições públicas. A resposta, que tembém já ouvi e que faço minha, é que a avaliação e a acreditação são inseparáveis, são coincidentes operacionalmente e que ambas são essencialmente orientadas para a defesa do consumidor.

Resta dizer que, actualmente, há dois tipos de acreditação. Uma é a acreditação académica, a que discuti. Outra, a única que há entre nós, é a acreditação profissional, exercida pelas ordens. Esta questão daria páginas de discussão. Envolve também aspectos importantes de configuração do Estado. Limito-me a dizer que, em minha opinião, as ordens são importantes para a defesa da deontologia da profissão mas que têm um poder excessivo, muitas vezes exercido na defesa de interesses corporativos, na acreditação de cursos para efeitos de exercício profissional.

A acreditação, com a importância que tem na regulação, como proponho, é de interesse nacional e supra-corporativo. Não faz sentido que o Estado cuide da qualidade da sua educação superior e que essa qualidade possa ser posta em causa por um grupo restrito e semi-privado. Aliás, com o processo de Bolonha e as reacções conservadoras das ordens, os riscos estão à vista, de uma grande reforma da educação superior poder ser bloqueada pelo tradicionalismo profissional. Outra coisa é as ordens e associações profissionais serem envolvidas no processo de acreditação, como “stakeholders”. 

Finalmente, a acreditação internacional. Deve ser vista diferentemente em relação aos EUA e à Europa. Nos EUA, é uma operação de marketing, objecto de negocio, que as grandes universidades dispensam. Muitas agências de acreditação comportam-se como empresas lucrativas e há o risco de um indesejável alargamento do GATS à educação superior fazer alastrar esse hábito. Alguns documentos (não públicos) da Comissão Europeia parecem favorecer a criação na Europa de empresas de acreditação, mas, ao mesmo tempo, com acreditação da acreditação pela Comissão. Parece-me um caso exemplar de liberalismo de mercado conjugado com burocracia bruxelense.

A regulação

A relação entre avaliação e acreditação é certamente compreensível para os meus leitores. Agora passo para o último elemento deste trio, talvez menos compreensível, a regulação da oferta educativa.

Antes de se discutirem os mecanismos de regulação, é necessário ter em conta quais são os seus objectivos e quais os seus critérios e determinantes. O primeiro objectivo deve ser indubitavelmente o da garantia da qualidade, que é condição de competitividade das universidades face a novas missões e desafios e num mundo da educação superior como tudo cada vez mais globalizado e com novas pressões colocadas pela educação transnacional. A garantia da qualidade é também um factor de defesa dos consumidores, sejam eles os estudantes sejam os empregadores e, indirectamente, toda a sociedade. Qualidade, nas suas vertentes de garantia, avaliação e gestão, é hoje uma palavra chave de todo o movimento de reforma universitária que passa pelo mundo, com realce para a Europa pós-Bolonha.

O segundo objectivo é o da relevância, também essencial do ponto de vista da defesa do consumidor. A relevância para a empregabilidade (o que é diferente de ser para o emprego dirigido) e para as necessidades sociais é um objectivo central. Cursos que lançam no desemprego, que não correspondem às necessidades sociais e económicas, são exemplos de perversão da autonomia e de falta de sentido de responsabilidade social e até de competência política e técnica que lhe têm que estar associadas, sob pena de a autonomia negar o seu valor indiscutível e se converter apenas no seu lado negativo de expressão do corporativismo. É também uma situação insustentável quando as dificuldades de financiamento das universidades se colocam já com tanta agudeza e tendem a agravar-se.

Mas é preciso ter grande cuidado em não considerar a relevância social apenas do ponto de vista económico. Não creio que haja uma medida económica para cursos como filosofia, matemática “pura”, teatro ou outras artes. Há mais vida para além da economia.

Tudo isto pode levar a pensar numa regulação tendencialmente negativa, com restrição da diversidade, mesmo quando ela parece ser redundante. Este seria um risco grave. A diversidade é um elemento enriquecedor de qualquer sistema organizacional e é particularmente importante no caso da educação superior, face à grande complexidade dos desafios que se lhe colocam e à multiplicidade de solicitações que lhe são postas, a começar pela heterogeneidade crescente da população que a procura. A diversidade aumenta o leque de escolhas dos estudantes, adapta o ensino à variedade de motivações e capacidades individuais dos alunos, ajusta-se à evolução rápida das exigências do mercado do trabalho, cria condições para experiências inovadoras e estimula a procura de padrões de excelência próprios de cada universidade. E pode fazê-lo de forma económica, com base em instituições de elite ou experiências que gerem emulação, com muito menores custos e riscos do que com intervenções sistémicas.

Por outro lado, com a globalização mas, principalmente, com o mercado único europeu, a regulação faz sentido do ponto de vista do melhor uso dos recursos nacionais mas não da empregabilidade nos espaços nacionais. Formamos para o mercado de trabalho europeu e dele recebemos recursos humanos. É já desajustado planear, se é que isto é possível, apenas tendo em conta o mercado português.

Mesmo tendendo a tudo isto, volto a dizer: o nosso mercado da educação superior é inteiramente desregulado. Para os economistas, isto é coisa dramática. Ou um mercado se regula por si próprio, pelas suas leis, ou é regulado pelo Estado. Autorregulação pelos ofertentes é coisa que não existe, embora esta tese tenha numerosos defensores na universidade, clamando candidamente que o mercado da educação superior é autorregulado. Autorregulado quer dizer, em síntese, “ter o bolo e comê-lo”: colocar no mercado os cursos que se quer e ter a garantia de que todos são comprados pelo Estado-financiador (salvo raras excepções, como, recentemente, os cursos com muito poucos candidatos).

Só há uma alternativa: ou regulação pelo mercado, à americana ou asiática, ou regulação pelo Estado, baseada no princípio (reconhecido na declaração de Praga, de que a educação superior é um bem público). Esta regulação pelo Estado tem muitas variantes, como discutiremos a seguir.

a) A regulação pelo mercado

Mesmo nos sistemas mais mercantilistas, a regulação pelo mercado é reconhecida como não totalmente adequada. Neste artigo, transcrevo apenas o essencial de um artigo anterior [2].

O mercado da educação, mesmo nos Estados Unidos, não é um mercado típico, como a da maioria dos bens e serviços. Em primeiro lugar, desvia-se das regras gerais por se tratar de bens posicionais, como bem discutido por Amaral e cols. em diversas publicações do CIPES [12]. A educação superior é um bem que se traduz em posição social e cuja aquisição, por seu lado, também depende em parte dessa posição. Confere melhor capacidade de obtenção de bons empregos, com melhores remunerações e prestígio social. Nestas condições, o binómio preço-qualidade, essencial no mercado, está distorcido, porque o consumidor dá mais valor ao factor prestígio ou qualidade do que ao factor preço. Assim, as instituições de elite ocupam um lugar privilegiado no mercado, que fica pouco contestável pelas instituições de médio ou menor prestígio (o que não se verifica em Portugal, onde não há uma verdadeira distinção de universidades de elite). A tendência é para uma estratificação vincada entre universidades de elite e as restantes, entre universidades de ciência e as de ensino, em que as menos bem colocadas tendem a actuar por mimetismo, com custos para a diversificação e diferenciação.

Anote-se que esta característica de bem posicional também tem efeitos em Portugal, contribuindo para a viciação de um sistema de mercado que, em teoria, seria o da auto-regulação das universidades. É que o valor posicional se localiza mais no grau académico, em abstracto, do que numa licenciatura específica (com algumas nuances, como medicina). Neste sentido, face ao desajustamento entre as vagas oferecidas e as vocações e desejos dos candidatos, estes acabam por ir frequentar cursos que não escolheriam num verdadeiro mercado de ofertas educativas. Novamente, à custa dos compradores desviados dos seus verdadeiros interesses, as ofertas educativas de menor qualidade e relevância ficam protegidas dos efeitos do mercado.

Outra limitação ao papel regulador do mercado apontada por Amaral e cols. é a que deriva da teoria do campo organizacional, em que há tendência para adaptação mútua com adopção de soluções semelhantes que diminuem a diversidade e atenuam a concorrência. São os centros comerciais que se assemelham por toda a parte ou as companhias de aviação em que qualquer inovação no serviço a bordo é logo copiada pelas restantes. Esta situação seria agravada em condições de escassez de recursos. Não partilho totalmente este argumento. A prática mostra que, mesmo nestas circunstâncias, o mercado funciona eficazmente, por variadas razões: “marketing”, economias de escala, optimização dos recursos materiais e sobretudo humanos, aproveitamento de nichos, factores psicológicos e de identificação (como as companhias aéreas de bandeira), prestígio social, afinal tudo factores que muito têm a ver com as universidades e com a sua competitividade”.

Além disto, o mercado da educação superior é um mercado com enorme assimetria de informação. Os candidatos a alunos não conhecem os resultados das avaliações, não há classificações ou “rankings” das universidades e dos cursos e nem sequer há uma opinião consagrada em relação a universidades de elite. Qualquer americano sabe o que significa Harvard, Yale, Stanford e outras, qualquer britânico conhece a diferença entre Cambridge e uma das novas universidades ex-politécnicos. Isto não acontece em Portugal. Por outro lado, joga imenso entre nós a proximidade geográfica, dado o custo de deslocação e instalação para fora do local de residência. 

No entanto, embora completamente adverso de um sistema de regulação absoluta pelo mercado da universidade pública, admito que as universidades também joguem no mercado, mas por sua conta e risco, não à conta do financiamento público. Isto quer dizer que uma universidade deve poder criar os cursos que quiser, fora do catálogo de oferta pública e financiados exclusivamente pelas propinas e fontes privadas. É, afinal, o que se passa com os mestrados (não exactamente, porque as rácios dos cursos de mestrado entram para o financiamento público das despesas de pessoal e, por extensão, para todo o financiamento).

b) A regulação pelo Estado

Na Europa, ainda é dominante. Em muitos países, os governos reservam para si grandes competências na definição dos graus, na aprovação de cursos, até mesmo na concepção de quadros de qualificações  que devem obedecer os cursos específicos de cada universidade.

Creio que isto será cada vez mais desafiado por valores teóricos e práticos. Entre os primeiros, a filosofia da nova administração pública, o direito da participação social, a valorização do conceito politico de “stakeholder”.

Na prática, creio que os argumentos técnicos a favor da autonomia também servem para uma regulação mais flexível em relação aos governos.

“Uma visão estatizante pode contrapor que é papel do Estado garantir a relevância social e eficácia da acção dos seus organismos e instituições, bem como garantir um princípio de homogeneidade, regulando o sistema universitário de forma a assegurar a igualdade de oportunidades no acesso e a igualdade de qualificações à saída. Na prática, sabemos bem que não é assim. A tendência esquematizante, uniformizadora e burocrática da administração transforma logo o princípio da homogeneidade num princípio abusivo de uniformidade. Se é vulgar dizer-se que as universidades são dificilmente auto-transformáveis, muito menos o são num sistema de grande controlo pelo Estado e de grande uniformidade.

As universidades estão sujeitas a duas grandes pressões. Por um lado, a sociedade e as empresas colocam-lhe desafios e fazem-lhe cada vez mais solicitações, num quadro que ultrapassa a sua actividade tradicional ou que as questiona em novos termos. Com isto, converge uma opinião pública mais exigente, que quer saber da relevância social da universidade. Por este lado, a universidade é impulsionada no sentido da expansão e do desenvolvimento. Por outro lado, há as pressões políticas para economias e reduções orçamentais, para limitação do crescimento do funcionalismo. Este é o lado que trava aquela atitude expansionista. Neste jogo de tensões, seria negativo que se desse a um dos “contendores”, o Estado, poderes de controlo estreito da situação, inevitavelmente resultando na distorção de uma tensão que é dinâmica e que é um desafio para a universidade. Os próprios governos também não são lineares em relação à universidade, o que lhes pode retirar clareza de opção política, porque também estão sujeitos a pressões contraditórias. Por exemplo, a referida pressão economicista para a constrição financeira das universidades, no quadro da redução das despesas públicas, está em contradição com a pressão política sobre os governos no sentido do aumento do acesso à universidade pelos jovens e do combate à exclusão social.” [1].

A regulação pelo governo é forçosamente a regulação pelo aparelho político-técnico. Nele se contam pessoas competentes e esforçadas mas que, na actual complexidade da politica da educação superior, não podem representar o melhor de competência que as universidades e até pessoas exteriores à universidade podem oferecer.

c) A regulação independente

É um mecanismo cada vez mais usado na nova administração pública. Reúne o melhor: a isenção em relação aos interesses políticos, económicos e corporativos, a competência, a defesa dos consumidores. Já os temos em vários sectores. Na concorrência, na energia, nas telecomunicações, na saúde, nos seguros, na comunicação social e, desde há muitos anos, na banca, por intermédio do Banco de Portugal.

Não vou teorizar, que muito está escrito sobre isto (como exemplo, lembro os muitos escritos de Vital Moreira sobre este tema). Proponho um modelo:

1. A regulação da educação superior compete a uma agência independente que, seja qual for a sua designação, chamo aqui de Agência Reguladora da Educação Superior (ARES).

2. A ARES tem como missões essenciais:
a) dar parecer ao governo sobre a criação, modificação, fusão ou extinção de instituições públicas de educação superior;
b) acreditar institucionalmente (por níveis a definir, universidade, faculdade, departamento) para concessão de cada grau;
b) acreditar todas as ofertas educativas, públicas ou privadas.

3. Um dos papéis chave da ARES será o de gerar e facultar ao público informação sobre o desempenho das instituições, nomeadamente das avaliações que levar a cabo, mas também acerca da empregabilidade e remunerações dos graduados de cada instituição. Outro papel será o de garantir que não existam práticas discriminatórias em áreas relativamente às quais se preconiza que as instituições tenham ampla margem de decisão como, por exemplo, no acesso.

4. Em princípio, a acreditação pela ARES faz efeitos para todas as competências do MCTES, que só em circunstâncias excepcionais e fundamentadas se pode sobrepor a ela para efeitos de financiamento.

5. Os membros da ARES são escolhidos em função estrita do mérito pessoal e nunca por representação institucional.

6. Tanto quanto possível, os membros da ARES devem cobrir as diferentes áreas de “stakeholding” da educação superior.

7. O CNAVES ou um futuro aparelho aperfeiçoado de avaliação, também com funções técnicas de acreditação, é o aparelho técnico da ARES.

8. Há alguns critérios bem estabelecidos para garantia da independência de uma agência reguladora: nomeação consensual do seu presidente; grande influência deste na nomeação dos restantes membros; dificuldade na demissão; mandato não sobreponível ao do órgão nomeante. Assim, sugiro:
a) o presidente da ARES deve ser designado por um das seguintes métodos; i. pelo Presidente da República (não sei se é constitucionalmente possível); ii. por maioria qualificada da Assembleia da República (como é o presidente do Conselho Nacional de Educação, com muito menor importância); iii. pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro Ministro.
b) os restantes membros são nomeados pelo Primeiro Ministro e pelo MCTES, sob proposta do presidente da ARES.
c) o mandato dos membros da ARES é de cinco anos, renováveis.
d) a destituição de um membro da ARES só pode ocorrer em caso de crime ou de violação muito grave dos seus deveres.

Referências:

1. Costa, João Vasconcelos, 2001. “A universidade no seu labirinto”. Editorial Caminho, Lisboa.
2. Costa, João Vasconcelos, 2001. “A regulação da oferta de cursos – o papel do Estado e do mercado“. http://jvcosta.planetaclix.pt/artigos/regulacao.html 
3. Amaral, A. e Costa, João Vasconcelos, 2001. “Debate sobre regulação, Estado e mercado (I)“. http://jvcosta.planetaclix.pt/artigos/amaral1.html 
4. Amaral, A. e Costa, João Vasconcelos, 2001. “Debate sobre regulação, Estado e mercado (II)“. http://jvcosta.planetaclix.pt/artigos/amaral2.html 
5. CNAVES, 2004. “Relatório de actividades relativo ao ano de 2004”. http://www.cnaves.pt/DOCS/Relatorio_2004/REL_2004.doc 
6. ENQA, http://www.enqa.net/
7. EUA, http://www.eua.be/eua/index.jsp
8. EURASHE, http://www.eurashe.be/
9. ESIB, http://www.esib.org/
10. QAA, http://www.qaa.ac.uk/academicinfrastructure/benchmark/default.asp
11. ENQA, 2005. “Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area”. http://www.enqa.net/files/ENQA%20Bergen%20Report.pdf 
12. CIPES, http://www.fup.pt/cipes/index.php

28.10.2009