A conclusão insatisfatória do meu livro “Utopia Hoje”

Quando escrevi a última palavra do meu livro “Utopia Hoje”, foi o último gesto de um trabalho de anos. Revi-me nele com satisfação, mas ela durou pouco. Relendo o livro e refletindo sobre algumas críticas, receio que o capítulo conclusivo não tenha conseguido iluminar algum caminho de motivação e ação. É isso que agora vou discutir.

O livro foi um desafio de fim de vida. Tenho alguma coisa, como muitos amigos da minha geração, de “vencidos da vida”, com proximidades e também diferenças do “grupo jantante” da geração de 70, como lhes chamou Eça. Como eles, este “we few, we happy few, we band of brothers”, este resquício em que me incluo da geração então jovem do antifascismo que não se deixou corromper pelo “sistema” instalado com a degenerescência de Abril (e em que se incluem ainda tantos militares de Abril, com muitos grandes amigos pessoais meus), transportamos connosco os valores da juventude, sempre nos alimentando o passar dos anos, mas também transportando o desencanto e a frustração da falta de realização dos ideais revolucionários da juventude.

A diferença está, parece-me, em que já não alinhamos em grupos cantantes e ainda vamos atuando no terreno, agora possibilitado, embora com muitas dificuldades, pelo acesso à palavra pública por múltiplos meios de comunicação, com realce para as redes sociais. O que ºé necessário é potencializarmos essa ação, que deve ser coordenada e não se ficar pelas ações individuais.

Dito isto, volto ao início da conversa, o meu livro. Ele é um acerto de contas com todas as contradições em que foi evoluindo o meu pensamento filosófico e político. Nascido de uma intenção já com muitos anos, ele foi-se complicando naturalmente com o evoluir do mundo e da minha vida, com a adaptação das ideias a uma reflexão constante sobre a realidade envolvente. Dediquei a ele anos de trabalho e, no fim, ironia tão vulgar, fui vítima das circunstâncias que analisei. Não foi livro que interessasse comercialmente às editoras e acabei por o publicar num circuito restrito. Creio que não terá sido lido por mais do que uma centena de leitores.

O livro tem uma parte de análise e uma de proposta. Em ambos os casos, a perspetiva é marxista, mas sempre com a ideia chave de que o marxismo não é uma escolástica e que, sob pena de se negar no que tem de essencial, tem de se aferir constantemente pela evolução da história real. A fórmula que usei é a de “remarxizar o marxismo”. 

A análise é forçosamente extensa e complexa, porque complexa é a sociedade e a dinâmica histórica de hoje. Essa primeira parte do livro abarca a discussão da fase atual do capitalismo, da hegemonia ideológica do neoliberalismo, da crítica histórica das principais propostas para o socialismo, da emergência da ultradireita, das contradições profundas atuais que definem um novo momento Polanyi, da nova estrutura de classes, do vazio da esquerda.

Na segunda parte, propositiva, discuto a essência da esquerda como necessariamente anticapitalista, a sua pedra de toque; a necessidade de um “discurso profético”; e de “remarxizar o marxismo”; de defender a democracia como conquista universal, pelo seu aprofundamento; a articulação entre a entidade tradicional partido e os novos movimentos sociais; o internacionalismo e soberanismo; o papel subestimado da ideologia, da mentalidade e da informação; a noção moderna do que é a revolução.

E chagamos ao que me leva a este escrito, a conclusão. Um quadro tão complexo de análise, com correspondente complexidade de propostas de ação, é muito difícil de traduzir em alguma coisa que leve o leitor a concluir que leva do livro alguma coisa útil para a sua posição política ou cívica. Numa primeira abordagem, escrevi um capítulo final que era um resumo do livro em forma de teses (embora um pouco mais desenvolvidas do que as clássicas teses, muito incisivas). Acabei por o substituir pela forma final. Aqui ficam as ligações para quem quiser ler a versão das teses e a versão final, em texto corrido. Não contente com uma e outra, vou tentar escrever uma conclusão mais operacional, com pistas mais claras para a definição de uma estratégia. Esperem pela publicação, neste sítio.