“Quo vadis”, Universidade?

A Universidade de Salamanca está para Espanha como a de Coimbra a para nós. Mais importante do que a sua importância atual e real, é o seu simbolismo histórico, os seus rituais, o seu bafio de séculos, até a sua pompa e circunstância.

Salamanca lembra logo o seu mais célebre reitor, Miguel de Unamuno, o filósofo que não se vergou, num episódio celebre, perante a barbárie do grito do general fascista Millan D’Astray, “viva la muerte”. Respondeu Unanumo “Este é o templo da inteligência e eu sou o seu sumo sacerdote. Vencer não é convencer. Para convencer há que persuadir e para persuadir necessitaríeis de algo que vos falta: razão e direito na luta.”

Os tempos mudaram muito, com eles a universidade e “the idea of a university”, o titilo e assunto do livro célebre de Newman. Salamanca tem um novo reitor e esse reitor é o espelho dos novos tempos, que fazem Unamuno virar-se furiosamente no túmulo-

Como li recentemente nos jornais, “o novo reitor da Universidade de Salamanca, Juan Manuel Corchado terá inflacionado durante vários anos o seu currículo científico com autocitações ou perfis científicos fraudulentos, o que levou o Ministério da Ciência, Inovação e Universidades espanhol a pedir uma investigação ao professor e cientista em Maio. Agora, a Agência Estatal de Investigação, o maior organismo público de financiamento de ciência em Espanha (equiparável à Fundação para a Ciência e a Tecnologia portuguesa), confirma ao diário espanhol El País que suspendeu a colaboração com Juan Manuel Corchado, que era um dos responsáveis pela avaliação que dita a distribuição de fundos públicos para a ciência.

As dúvidas sobre a integridade científica de Juan Manuel Corchado, formado em engenharia informática, foram levantadas ainda antes da eleição para a reitoria da Universidade de Salamanca – a que concorreu sozinho. O reitor foi empossado no final deste mês de Maio. O El País em Março e Abril publicou duas investigações jornalísticas em que mostra como o especialista em inteligência artificial tem empolado os seus números de publicações científicas – como as citações, uma das principais métricas utilizadas para avaliar o impacto de um cientista.” (El Pais).

Portanto, tudo era conhecido ou suspeitado antes da eleição. E, no entanto, foi eleito! Para onde vai a universidade? E todo o sistema académico, científico e de educação superior? O economicismo invadiu todas as esferas da vida humana e social e os monumentos da produção e do mercado são as catedrais dele hoje, Porque é que a universidade haveria de permanecer um templo, o templo do saber e da cultura? Não é muito melhor e ao sabor dos tempos ser antes de tudo o mais (ou mesmo só, sem tudo o mais) uma fábrica de diplomados? E uma fábrica, numa visão mais primária,  precisa é de engenheiros, gestores e outros quadros, não de cientistas académicos ou de produtores de cultura. E de dirigentes (reitores, professores, etc.) que compreendam e garantam exsuda “admirável cultura nova”.

Quantas vezes eu penso na sorte que tive em reformar-me na altura certa. Mas também quantas vezes eu sinto nos dias de hoje simpatia e pena por tantos amigos mais jovens, gente de talento e íntegra, dominados por esta nova lógica. Mas, afinal, é coisa sectorial ou só uma manifestação local de um sistema global, chamemos-lhe o neoliberalismo, de disrupção de todos os valores estabelecidos, de domínio pelo mercado de tudo o que devia ser humano, de individualismo e competição selvagens?

Um velho ícone esquecido, Rosa Luxemburgo, proclamava que “ou socialismo ou barbárie”. O sistema derrotou, por agora, a possibilidade do socialismo. Cumpriu-se a alternativa, a barbárie.