Não é para mim nada claro que Pavel Durov e Elon Musk sejam muito diferentes. São ambos “self-made men”, criadores e alimentadores de redes sociais cheias de podres, provavelmente ambos com personalidades desviantes, narcísicas e sem escrúpulos. A diferença é que só agora Musk começa a ser envolvido na política, enquanto que Durov já há muito é discutido nas páginas dos “redistas” de mais ou menos extremada motivação política. A X é agora albergue de toda a ultradireita trumpista americana, por exemplo, mas a Telegram é fortemente suspeita, para não dizer mais, de também albergar gente muito mais perigosa, de mafias a redes de pornografia com crianças.
Há anos, Durov e a sua plataforma Telegram foram objeto das atenções repressivas do Kremlin, o que para muitos quer dizer simplisticamenhte Putin. Nessa altura, todo o ocidente geopolítico alinhado se manifestou protestando contra o atentado à liberdade de expressão. (Entre parênteses, note-se que atualmente as redes sociais são o único espaço comunicacional em que não há qualquer limite legal ao direito de livre expressão, mesmo quando esse direito infringe direitos de outros, à informação correta e à proteção contra a manipulação mental. São também o único espaço exclusivamente controlado – ? – nos conteúdos apenas por si próprio, por entidades privadas).
Agora, Durov foi preso em França e calaram-se as mesmas vozes que antes se ouviram, enquanto que se manifestam os opostos, com a mesma invocação de atentado à liberdade de expressão. A grande diferença é que, antes, Durov era uma pedra no sapato de Putin mas depois da guerra da Ucrânia viu uma oportunidade de negócios com a estúpida proibição de media russos pela UE. Já que a comunicação social “mainstream” calava a propaganda russa, ele ofereceu-lhe o espaço e ganhou aura de defensor da liberdade de expressão, que alargou a tudo o que, na rede, alinha com esse campo.
Esta é a hora da propaganda, da pós-verdade, do maniqueísmo, do primarismo à Reader´s Digest (mas também dos caderninhos da Novosti em panegírico de Brejnev). Sempre foi assim, mas agora há duas diferenças principais, de sinal contrário. Por um lado, os meios e técnicas de manipulação são muito mais poderosos. Mas, por outro, somos mais educados em mentalidade crítica (ou é ilusão minha, “wishful thinking”?) e dispomos de bons instrumentos de desmontagem da desinformação.
Um velho amigo criticou-me neste espaço por eu, segundo ele, não tomar partido, fechar-me na torre de marfim da “superioridade” moral e intelectual. Mas como tomar partido numa guerra suja, com contendores de parte a parte nada recomendáveis, com base em sistemas sociais e económicos que afinal são o mesmo, com dirigentes igualmente não democráticos? Porque de um lado está o imperialismo e do outro o seu adversário e quem combate um deve apoiar o outro? Mas este outro é mesmo a alternativa anti-imperialista ou é expressão de outro tipo de imperialismo? Com exceção do período pós-guerra, o imperialismo sempre foi multipolar (e daí os conflitos e guerras) no quadro do capitalismo. É diferente agora? É diferente do tempo de Lénine ou de Jean Jaurès, que defendiam que os socialistas (no sentido revolucionário de então) nada tinham a ver com as guerras burguesas?
Eu tomo partido, mas por aquilo que muitos dizem ter acabado, a esquerda real. Está em crise a nível institucional, é verdade, mas estará sempre viva a nível social, como força histórica transformadora.
- Tomo partido pelas “vítimas da fome, famélicos da terra”.
- Tomo partido pelos povos oprimidos e, neste momento, com especial apoio à luta palestiniana.
- Tomo partido pela paz em qualquer lugar do mundo.
- Tomo partido pelas mães ucranianas que perderam os seus filhos, pelas crianças que ficaram órfãs, pelos desalojados. E também pelos mesmos mas do outro lado, de Kursk.
- Tomo partido pelos imigrantes, desumanamente explorados.
- Tomo partido pelos oprimidos de vários tipos vítimas dos preconceitos da mentalidade burguesa estabelecida (mulheres, vítimas do racismo, minorias sexuais, etc.).
- Tomo partido pela defesa do meio ambiente e da biodiversidade, por um desenvolvimento sustentado, pela convivência equilibrada entre o homem e a natureza.
- Tomo partido pelas vítimas da violação dos direitos humanos, que, não obstante a sua frequente utilização hipócrita, são um enorme avanço civilizacional.
- Enfim, tomo partido por tudo o mais que signifique a luta pela emancipação do Homem.
Os geopolíticos, que tão marcadamente tomam partido em relação ao conflito EUA-Rússia, subscrevem este longo enunciado? Então porque nunca escrevem sobre isto nas suas redes?
Foram as minhas lutas da juventude, quando isso era custoso. Continuam a ser as minhas lutas da velhice, quando isso parece inútil. O que não faço é render-me ao prazer egoísta de substituir essas lutas por exercícios intelectuais baseados em jogos de estratégia, num novo jogo de xadrez, no fascínio do desenho fantasioso de cenários político-históricos. Não tenho a preocupação de estar sempre a demonstrar a minha inteligência e de estar sempre a ser elogiado.