João Vasconcelos Costa
Está a atenuar-se a atitude de protesto contra a UE. A falta de coerência entre os seus críticos, as vitórias eleitorais da direita, as dificuldades com que está a decorrer o Brexit, o não aparecimento de uma “alternativa periférica”, têm concorrido para uma abrandamento do chamado “euroceticismo”.
A sua fronteira nunca foi bem clara. Se nos centrarmos na questão essencial, a conceção europeia pós-Maastricht e a sua centragem no euro, só muito poucos partidos e personalidades combateram a aprovação do tratado: PCP, PCE, KKE grego, tanto quanto me lembro. Creio que, no essencial, se mantém esta situação.
Mesmo o PCP, apesar das suas declarações de princípio inequívocas – em que começa a ser acompanhado pelo Bloco de Esquerda – tempera-as muito na prática. Considera que uma saída do euro, desejável, só poderia ocorrer, todavia, cumpridas algumas condições, a meu ver utópicas a curto/médio prazo: estudos aprofundado das vantagens e riscos; processo a cargo de um governo de esquerda; e aprovação pela maioria do povo português. Ficou também no papel a campanha sobre a saída do euro no primeiro semestre de 2017.
Por outro lado, o que se tem visto de dificuldades, algumas de monta, no processo do Brexit referem-se a questões que não as derivadas da saída do euro, que nem serão negociadas. podemos tirar lições mas só depois da efetivação da saída.
Vem este artigo a propósito de, no fim de outubro, se ter realizado em Lisboa uma cimeira do Plano B, em organização local do BE. Note-se que o Plano B não tem partidos como membros integrantes, mas tem recebido apoio muito estreito de alguns, como o BE, o Podemos e o Parti de Gauche de Mélenchon (ou “La France insoumise”).
O Plano B foi criado, no rescaldo da crise grega, numa reunião organizada por políticos europeus destacados: Jean-Luc Mélenchon; Stefano Fassina, deputado italiano; Zoe Konstantopoulou, na altura ainda presidente do Parlamento Grego; Oskar Lafontaine, co-fundador do Die Linke; e Yanis Varoufakis, que se afastou em favor do seu obscuro DiEM.
Foi lançado um manifesto para um plano B. Um dos seus problemas é defender primeiro um plano A… Por um lado, escrevem que “devemos aprender com este golpe de Estado financeiro [Grécia]. Este euro tornou-se o instrumento de dominação económica e política da oligarquia europeia, escondido atrás do Governo alemão”.
Mais declaram que “estamos determinados a romper com esta Europa. (…) Temos que escapar da inanidade e desumanidade dos tratados europeus e refundá-los por forma a remover a camisa de força do neoliberalismo, revogar o tratado orçamental, recusar o tratado de livre comércio com os Estados Unidos (TTIP).
A isto, chamam o plano A. Lido em pormenor, enferma da ilusão da reforma da UE por dentro. Só reconhecendo que não será fácil impô-lo ao poder central europeu é que defendem a necessidade de também se preparar um plano B.
Em linhas na altura apenas ainda gerais, afirmam: “Para reforçar a nossa posição contra o seu compromisso brutal com políticas que sacrificam a maioria a favor dos interesses de uma pequena minoria. Mas também para reafirmar o princípio simples de que a Europa não é nada mais do que os europeus e que as moedas são ferramentas de apoio à prosperidade compartilhada, e não instrumentos de tortura ou armas para assassinar a democracia”.
“O nosso plano A para uma Europa democrática, apoiado por um Plano B, que mostra que aqueles que detêm o poder não podem aterrorizar-nos até à submissão, visa apelar à maioria dos europeus. Isto requer um elevado nível de preparação. (…) Muitas ideias já estão na mesa. (…) a saída do euro e a conversão do euro em moeda comum.”
O foco da atenção, mesmo que preliminarmente, é na questão do euro. No entanto, como vimos ter acontecido em geral, noutros casos, não tem havido desenvolvimentos nesta linha, nem políticos nem teóricos.
A reunião de Lisboa, há semanas, teve um tema geral muito diferentes: “a restituição da democracia para os povos da Europa, afirmando a cooperação democrática e a solidariedade como verdadeiras alternativas ao crescente défice democrático e social imposto pelo Tratado de Lisboa há 10 anos”.
Também parece mais esbatida a esperança na luta a nível europeu: “Se as nossas condições não forem cumpridas, iremos aplicá-lo unilateralmente em cada um dos nossos países. As Eleições Europeias de 2019 são uma oportunidade para enfrentarmos os neoliberais europeus com o nosso projeto. O fetichismo das instituições da UE ou uma moeda específica não podem prevalecer sobre o interesse concreto dos povos. Este é o nosso Plano B.” (cimeira de 2017, Lisboa).
Um dos problemas da insistência na saída do euro (declaração de interesses: que pessoalmente, em princípio, apoio) é que, com exceção notória do PCP, ela tende a diminuir outra coisa que lhe está associada. a questão da dívida. Repetindo o que escreveu Éric Tousseau, há nesta fase um tema central de um Plano B: dívida, dívida, dívida! Mais gerador de consensos, mais mobilizador.
Em conclusão, parece haver um recuo – ou talvez melhor alargamento – nos objetivos iniciais de movimentos eurocéticos mais radicais. A par disso, com algum alívio das políticas ferozes de austeridade, menor interesse pelas questões europeias.
Isto é manifesto em Portugal, onde as camadas populares estão apáticas, embaladas no relativo sucesso da política de reposição de rendimentos do governo. E, no entanto, ele teve como condição, pela negativa, não se ter em conta nas relações de cooperação do PS e da esquerda radical o tema tabu da União Europeia e, em consequência, da soberania financeira e orçamental, do euro e da dívida.
E pur si muove! A base de entendimento nesta legislatura foi suficiente por haver um consenso quanto à política de contra-austeridade. Na próxima já não será assim, e o crescimento, o investimento público, o alívio do serviço da dívida em benefício do estado social, vão trazer para a primeira linha a questão europeia e as diferenças insanáveis entre os parceiros da “geringonça”. Vamo-nos começando já a preparar. Estudar, analisar e debater.
(27.11.17)