Proposta de bases para uma lei da autonomia das instituições de educação superior

João Vasconcelos Costa, José Ferreira Gomes e Sérgio Machado dos Santos

Cada vez ganha maior aceitação a ideia de que o nosso sistema de governação das instituições de educação superior (IES), derivado das leis de autonomia, é obsoleto. O modelo, colegial e desresponsabilizante, é uniforme e não corresponde às necessidades actuais de governação estratégica, face aos enormes desafios que se colocam às instituições. Não promove a competição saudável e leal, fonte da melhoria da qualidade.

No entanto, em boa justiça, reconheça-se que, ao menos, não tem impedido, embora com dificuldades escusáveis, a acção determinada de muitos reitores exemplares, bem como presidentes de institutos politécnicos. Mas não basta que uma lei se limite a não ser impeditiva. Uma boa lei deve ser estimuladora.

A legislação actual já é velha de dezoito anos. A cada governo, espera-se sempre a sua revisão. Agora, defrontamo-nos com uma condição nova, a espera pela opinião da OCDE [*]. Com todo o respeito que temos pelo valor da maior diversidade de opiniões, incluindo as internacionais, consideramos que, nos últimos anos, já há um grande manancial de opiniões bem sustentadas sobre a governação das IES, largamente convergente. É o que pretendemos demonstrar, num texto simples, propositadamente não discursivo, antes sob a forma seca de bases de lei, embora não redigidas em linguagem jurídica.

Consideramos a autonomia como um valor essencial do sistema de educação superior. É um sistema de enorme complexidade, afectando décadas da vida nacional, do desenvolvimento, da vida de milhares de portugueses. Consideramos que o Estado, na lógica da maioria dos organismos da administração, não consegue lidar com essa complexidade. Consideramos que autonomia é também fundamental para a promoção da diversidade e da competição, condições essenciais para a riqueza e a qualidade do sistema de educação superior.

Mas não temos uma visão dogmática da autonomia, como direito histórico adquirido e indiscutível, que muitas vezes parece ser confundido com autarcia, como decorrente de uma soberania ou auto-apropriação de instituições que existem em função do serviço que prestam a toda a comunidade. A autonomia é instrumental, justifica-se como a forma de as IES melhor poderem cumprir as funções sociais para que foram criadas e que os cidadãos lhes exigem.

Por isto, começamos por sugerir uma discussão importante, para a qual, por economia de espaço, só deixamos pistas. A autonomia não pode ser a desculpa para desperdícios de uma gestão feita em função dos interesses particulares dos membros da instituição em determinado momento. Ela tem de articular-se com os valores superiores de um sistema de educação superior que, visto como um todo, carece de autonomia do estado como meio de estabilidade e de melhoria do desempenho global e nunca de irresponsabilidade perante os cidadãos e o poder democraticamente eleito. 

A guerra surda a que temos assistido nos últimos anos resultante do diferente entendimento que da autonomia universitária têm as instituições e o Ministério das Finanças é bem compreensível pela fraqueza dos instrumentos de prestação de contas. Qualquer alteração do modelo actual tem de oferecer às instituições uma maior autonomia real no seu funcionamento tendo como contrapartida uma maior transparência no cumprimento da sua missão com independência dos interesses corporativos internos e uma maior responsabilização perante a sociedade. A grande questão é a da forma de representação dos interesses da sociedade. Vários modelos têm sido experimentados em países que vão progressivamente abandonando o nosso modelo auto-gestionário. 

A autonomia não pode ser vista a nível de cada IES. Ela é um factor de coerência e competição de todo o sistema. A educação superior é um forte investimento do Estado, de todos os cidadãos, é-o porque é determinante para a riqueza e competitividade do país. Por consequência, não pode ficar ao sabor das autonomias institucionais. No entanto, estas são indispensáveis para a riqueza de todo o tecido. É um compromisso difícil, que perpassa, julgamos, por toda esta proposta. 

Temos como preocupação essencial a garantia da diversidade. É um elemento enriquecedor de qualquer sistema organizacional e é particularmente importante no caso da educação superior, face à grande complexidade dos desafios que se lhe colocam e à multiplicidade de solicitações que lhe são postas, a começar pela heterogeneidade crescente da população que a procura. A diversidade aumenta o leque de escolhas dos estudantes, adapta o ensino à variedade de motivações e capacidades individuais dos alunos, ajusta-se à evolução rápida das exigências do mercado do trabalho, cria condições para experiências inovadoras e estimula a procura de padrões de excelência próprios de cada instituição.

Em consequência, outra grande preocupação deste escrito é a da flexibilidade. Por um lado, estamos convictos dos malefícios do actual sistema de governação e apetecia-nos avançar para uma alternativa radical. Julgamos que ficámos sensatamente a meio caminho. Pensamos que “o caminho se faz caminhando” e que abrir um bom caminho ensina os outros. Propomos que às instituições seja oferecida a opção por um modelo mais moderno de governo com as compensações inerentes à assunção de riscos e à renúncia aos interesses instalados. Propomos apenas, como obrigatório, o mínimo caracterizador de um modelo moderno de governação. Compete às IES aventurarem-se por caminhos mais consequentes. As instituições mais dinâmicas acabarão por arrastar as outras com o passar do tempo, principalmente se forem claros os incentivos para as boas práticas.

Pensamos também que não há reformas bem sucedidas se, com a melhor das intenções, violentarem grosseiramente as culturas estabelecidas. O óptimo é inimigo do bom, é coisa que todos os políticos sabem. No entanto, cremos que são necessários factores positivos, necessariamente omitidos neste escrito. A boa governação deve ser tida em conta na avaliação, deve ter prémios acrescidos de autonomia.

Ao propormos estas bases de uma lei, a nossa principal preocupação é a de abrir portas. Quem quiser abri-las, óptimo. Quem as fechar, arrisca-se às consequências, que num sistema internacionalizado de educação superior poderão ser muito pesadas. Portas abertas para caminhos imaginativos. Não apontamos para soluções rígidas, embora cada um de nós tenha mentalmente bem definido o modelo que proporia para a “sua” instituição. Se calhar, até não são iguais, e muito bem. Uma das coisas que nos reúne é que não pode haver uma solução única milagrosa.

O nosso compromisso, difícil, foi o da simplicidade do essencial:

  • Uma definição realista dos vários componentes da autonomia;
  • O de balizar uma lógica de governação imprescindível, mas deixando a maior margem de flexibilidade (cada um de nós, com total liberdade e sem qualquer quebra de solidariedade, poderá escrever coisas mais concretas);
  • Alguma pormenorização, que pode parecer estranha a alguns leitores, a respeito de aspectos que a nossa experiência de dirigentes nos mostrou serem constringentes;
  • Por isto, com grande destaque, o regime de autonomia financeira, sem o qual soçobra qualquer teoria da autonomia.

Finalmente, e relembrando o que dissemos sobre a indissociabilidade da autonomia e da regulação, alguma coisa sobre isto. O primeiro objectivo deve ser indubitavelmente o da garantia da qualidade, que é condição de competitividade das universidades face a novas missões e desafios e num mundo da educação superior como tudo cada vez mais globalizado e com novas pressões colocadas pela educação transnacional. A garantia da qualidade é também um factor de defesa dos consumidores, sejam eles os estudantes sejam os empregadores e, indirectamente, toda a sociedade. 

O segundo objectivo é o da relevância, também essencial do ponto de vista da defesa do consumidor. A relevância para a empregabilidade (o que é diferente de ser para o emprego dirigido) e para as necessidades sociais é um objectivo central. Cursos que lançam no desemprego, que não correspondem às necessidades sociais e económicas, são exemplos de perversão da autonomia e de falta de sentido de responsabilidade social e até de competência política e técnica que lhe têm que estar associadas, sob pena de a autonomia negar o seu valor indiscutível e se converter apenas no seu lado negativo de expressão do corporativismo. No entanto, é preciso ter grande cuidado em não considerar a relevância social apenas do ponto de vista económico. Não creio que haja uma medida económica para cursos como filosofia, matemática “pura”, teatro ou outras artes. Há mais vida para além da economia.

Recusamos a regulação livre pelo mercado, mas também temos muito receio dos vícios burocráticos da regulação estatal tradicional. Defendemos um modelo de regulação por uma entidade independente. 

É um mecanismo cada vez mais usado na nova administração pública. Reúne o melhor: a isenção em relação aos interesses políticos, económicos e corporativos, a competência, a defesa dos consumidores. Já os temos em vários sectores. Na concorrência, na energia, nas telecomunicações, na saúde, nos seguros, na comunicação social e, desde há muitos anos, na banca, por intermédio do Banco de Portugal. Porque não na educação superior, actividade porventura mais complexa e desafiante do que qualquer dessas?

* * * * * 

  • 1. Natureza e objectivos

    • 1.1. As instituições de educação superior (IES) são organismos da administração autónoma do Estado, regidos apenas por esta lei e pelos diplomas dela decorrentes.
    • 1.2. As IES são depositárias da missão de produção e transmissão do conhecimento; da educação e formação de quadros com alta qualificação científica; da contribuição para a cultura e identidade nacional, num quadro universalista, para o desenvolvimento, bem-estar e competitividade nacionais, na globalização; e da missão de educação a alto nível de pessoas que aliem a competência científica e técnica com a consciência da cidadania e da solidariedade nacional e internacional.
    • 1.3. No contexto dos objectivos enunciados, as IES não são simples instituições de formação de quadros para a actividade social e económica. Esta missão é fundamental, mas é indissociável da educação, em sentido amplo, o desenvolvimento da mente, da cultura, das competências, da responsabilidade ética.
    • 1.4. Os estatutos de cada IES incluirão obrigatoriamente uma declaração de missão, que a diferencie no âmbito destes princípios gerais.
  • 2. Princípios

    • 2.1. A autonomia é exercida no quadro da coerência e racionalidade de todo o sistema de educação superior. Neste quadro de pensamento, é imprescindível que o poder político estabeleça, como elementos essenciais estruturantes do sistema:

      • 2.1.1. Uma política clara, explícita, para o sistema de ensino superior, que identifique objectivos, prioridades e metas globais, nomeadamente no que se refere aos níveis desejáveis de qualificação da população portuguesa;
      • 2.1.2. Um referencial de parâmetros objectivos de qualidade, i.e., de requisitos definidos aprioristicamente como imprescindíveis para o reconhecimento oficial de instituições e de cursos;
      • 2.1.3. Uma agência nacional de regulação, independente, com competências no âmbito da acreditação académica.
    • 2.2. A autonomia é indissociável da responsabilização e da correspondente prestação de contas.
    • 2.3. A autonomia deve ser entendida como um desafio para uma competição saudável entre as IES com vista a uma melhor qualidade e ao combate a tendências niveladoras para a uniformização.
    • 2.4. A autonomia deve ser promotora de diversidade institucional e programática, permitindo nomeadamente ofertas de ensino ajustadas à crescente diversidade da procura.
    • 2.5. No quadro da autonomia e responsabilização institucional, a organização e governo das IES deverá obedecer aos princípios fundamentais de :

      • 2.5.1. Flexibilidade na escolha de modelos de organização institucional que melhor se adequem ao historial, características e estado de desenvolvimento de cada IES;
      • 2.5.2. Flexibilidade na adopção de modelos de governo diferenciados, de acordo com a natureza da missão e estratégia institucional, obedecendo a critérios globais de racionalidade e de diversidade, sem prejuízo, contudo, de uma abertura obrigatória a uma participação externa no governo académico, por parte de personalidades de elevado mérito e/ou de representantes designados por organizações da sociedade civil;
      • 2.5.3. Coesão institucional no exercício interno das autonomias, expressa nomeadamente através de políticas institucionais enquadradoras da acção das diferentes unidades orgânicas e na clareza e transparência dos actos académicos;
      • 2.5.4. Gestão eficaz e decisão oportuna e responsabilizada, privilegiando órgãos de reduzida dimensão e o papel das lideranças, sem prejuízo da audição das partes interessadas.
    • 2.6. Toda a racionalidade da lei de autonomia e do seu desenvolvimento normativo deverá ter subjacente a subordinação a programas estratégicos de desenvolvimento institucional, aliada a uma cultura de garantia e exigência de qualidade, princípios estes expressos, designadamente:

      • 2.6.1. na adopção de modelos de contratualização entre o poder político e as IES, que exprimam necessariamente uma visão traduzida em programas estratégicos, com objectivos, metas, resultados e consequências, incluindo uma calendarização bem definida e a devida publicitação;
      • 2.6.2. na definição e publicação de códigos de boas práticas por parte das IES, nos domínios pedagógico, científico e da governação e gestão;
      • 2.6.3. no desenvolvimento e adopção de cartas de progresso baseadas em indicadores de desempenho incidindo nas diversas actividades de ensino, investigação, prestação de serviços e gestão, e a consequente realização de exercícios regulares de benchmarking que permitam análises comparativas internacionais e ponham em evidência a eficiência, a qualidade de desempenho e a classificação de mérito.
    • 2.7. No plano da natureza jurídica das IES, a lei deverá incluir uma cláusula que estabeleça o princípio da prevalência da lei de autonomia sobre a regulamentação genérica para a administração pública, evitando, de uma vez por todas, a contínua erosão a que a autonomia das IES tem estado permanentemente sujeita por efeito de disposições gerais para a administração pública. Sugere-se, para o efeito, um artigo com a seguinte formulação: “Atendendo a que a autonomia das IES deriva de um preceito constitucional, bem como à especificidade do seu funcionamento e organização e às necessidades de desempenho, a legislação ou regulamentação existente, ou que venha a ser publicada, que restrinja o pleno desenvolvimento do disposto na presente lei só é aplicável às IES públicas se contiver disposição expressa nesse sentido, referindo-as explicitamente”.
  • 3. Autonomia estatutária 

    • 3.1. As IES têm autonomia para elaborarem os seus estatutos, de acordo com o disposto no parágrafo 11.
    • 3.2. A autonomia estatutária, com os seus limites legais, é entendida e considerada como a forma de as IES se posicionarem especificamente no quadro imprescindível da diversidade do sistema e de definirem os seus instrumentos de competição positiva.
    • 3.3. Nestes termos, a modernidade, abertura e eficácia das soluções estatutárias serão um elemento a ter em conta em qualquer avaliação institucional.
    • 3.4. Os estatutos das IES desenvolvem a autonomia no respeito da coesão e personalidade da instituição, pelo que, em caso de conflito, a juridisção final em todas as decisões caberá ao dirigente máximo da instituição.
  • 4. Autonomia pedagógica 

    • 4.1. A autonomia pedagógica, juntamente com a autonomia científica, para todos os efeitos da filosofia desta lei e da sua interpretação para regulamentação subsequente, é considerada como elemento essencial caracterizador da natureza das IES.
    • 4.2. A autonomia pedagógica exerce-se à luz dos seguintes princípios:

      • 4.2.1. A liberdade de ensinar e de aprender;
      • 4.2.2. A liberdade individual dos professores de ensinar exclusivamente segundo a sua consciência, mas com respeito pelos valores de independência, rigor intelectual e respeito pelas convicções pessoais dos estudantes;
      • 4.2.3. A não confessionalidade e o respeito pelo pluralismo de opiniões, desde que não ofendam os valores essenciais da civilização.
    • 4.3. No âmbito do exercício da autonomia pedagógica, as propostas de criação de cursos são da iniciativa das IES, mas carecem de acreditação pelo órgão nacional de regulação.
    • 4.4. As propostas de oferta educativa devem subordinar-se aos quadros nacionais de qualificações, a definir segundo lei específica.
    • 4.5. Aprovados os quadros gerais de cada programa, a respectiva organização pedagógica, os planos de estudos e afectação de recursos, bem como as suas alterações, são da competência exclusiva das instituições, desde que se mantenha a estrutura curricular aprovada.
  • 5. Autonomia científica

    • 5.1. Aplicam-se à autonomia científica as considerações expressas em 4.1 e 4.2.
    • 5.2. Sem prejuízo da liberdade individual de apresentação a financiamento externo de projectos de investigação, as IES estabelecem autonomamente as suas prioridades de investigação, devendo equilibrar a importância dessas prioridades em termos de relação com o meio e de suporte da qualidade do ensino.
    • 5.3. As IES têm autonomia para o desenvolvimento dos seus projectos de investigação, com subordinação às regras estabelecidas pelas entidades financiadoras.
    • 5.4. Os orçamentos dos projectos de investigação são consignados e não podem ser sujeitos a cativações ou outras limitações administrativas ao bom desenvolvimento dos projectos.
  • 6. Autonomia administrativa e financeira

    • 6.1. As normas de gestão são, com as necessárias adaptações, as das entidades públicas empresariais.
    • 6.2. O financiamento público é determinado com base numa previsão plurianual e em sistema de “financiamento envelope” contratado, sem prejuízo de utilização de métodos de cálculo indicativo, por fórmula.

      • 6.2.1. As IES têm liberdade de transferências entre rubricas orçamentais;
      • 6.2.2. Não pode haver cativações incidindo sobre as receitas próprias;
      • 6.2.3. As IES podem fazer requisição de fundos integral, logo no início do ano, para as rubricas de equipamento;
      • 6.2.4. É obrigatória a compensação, até ao mês de Junho, dos encargos decorrentes de aumentos salariais da função pública. 
    • 6.3. A contabilidade é exclusivamente a do POCE, sem obediência às regras da contabilidade pública.
    • 6.4. A gestão de pessoal é autónoma, segundo regulamentos próprios, com excepção das categorias de professor catedrático e de professor associado, reguladas pelo estatuto da carreira docente universitária.
    • 6.5. As IES estão isentas da sujeição a vistos prévios do Tribunal de Contas, mesmo para contratos de pessoal.
    • 6.6. As IES gerem autonomamente o seu património imobiliário.
    • 6.7. Em contrapartida de responsabilidade, estão obrigadas a contabilidade segundo o plano oficial de contas, incluindo a obrigação de contabilidade analítica; prestação de contas à tutela e ao Tribunal de Contas e sua divulgação pública; apresentação de um plano orçamental previsional; obrigação de parecer de um conselho fiscal, incluindo um técnico revisor de contas do sector privado e um quadro qualificado da contabilidade pública.
    • 6.8. O regime de autonomia financeira será regulamentado por decreto-lei, designadamente no que diz respeito ao ponto 6.1.
  • 7. Autonomia disciplinar

    • 7.1. A autonomia disciplinar é exercida num quadro estatutário abrangente que deve valorizar aspectos éticos fundamentais da educação superior, tais como a independência intelectual, a responsabilidade, o rigor intelectual e a ética do trabalho e do esforço pessoal. 
    • 7.2. O dirigente máximo da IES tem a competência disciplinar sobre professores, investigadores, estudantes e funcionários.
    • 7.3. Cada IES estabelece o estatuto disciplinar dos estudantes.
  • 8. Governação

    • 8.1. A estrutura orgânica das IES é definida pelos respectivos estatutos, devendo incluir, sem prejuízo de outros órgãos considerados relevantes, os seguintes órgãos de governo:

      • 8.1.1. Um órgão executivo, unipessoal (Reitor/Presidente);
      • 8.1.2. Um órgão deliberativo de natureza estratégica, com participação externa obrigatória de, pelo menos, um terço dos seus membros (Conselho de Governo / Conselho Superior / Junta de Governo / Conselho Estratégico / Conselho de Curadores / …);
      • 8.1.3. Um órgão deliberativo de natureza académica;
      • 8.1.4. Um órgão de fiscalização, incluindo obrigatoriamente um revisor oficial de contas (Conselho Fiscal / Conselho Administrativo / Fiscal Único / …).
    • 8.2. Órgão Executivo (Reitor/Presidente)

      • 8.2.1. O reitor/presidente é o responsável máximo pela gestão da IES e é coadjuvado por uma equipa (vice-reitores / pró-reitores / vice-presidentes) por ele nomeada nos termos definidos pelos estatutos.
      • 8.2.2. O reitor/presidente é um professor da IES, ou uma personalidade de alto mérito, exterior à IES, designado ou eleito nos termos definidos pelos estatutos.
      • 8.2.3. Em caso de eleição, os estatutos conferirão pesos relativos aos diversos corpos da IES, não podendo o peso correspondente ao corpo de docentes e investigadores doutorados ser inferior a 60%.
    • 8.3. Órgão Estratégico 

      • 8.3.1. É o órgão responsável pela grande decisão política e estratégica da IES, bem como pelo acompanhamento da gestão da IES, competindo-lhe, nomeadamente: 

        • 8.3.1.1. a definição da missão, da estratégia de desenvolvimento e qualidade da IES e a elaboração das respectivas políticas de concretização; 
        • 8.3.1.2. a elaboração e alteração dos estatutos, sujeitas a ratificação pelo órgão académico;
        • 8.3.1.3. o plano plurianual e anual de actividade;
        • 8.3.1.4. a aprovação do relatório anual, elaborado pelo dirigente máximo;
        • 8.3.1.5. a aprovação das contas;
        • 8.3.1.6. a aprovação do orçamento proposto pelo dirigente máximo e a fixação das propinas;
        • 8.3.1.7. a criação ou extinção de cursos, ouvido o órgão académico;
        • 8.3.1.8. a promoção e apreciação da avaliação e da autoavaliação;
        • 8.3.1.9. a política de relações entre a IES e o meio social;
        • 8.3.1.10. o acompanhamento da gestão da IES.
      • 8.3.2. Os estatutos definirão a forma de composição deste órgão, bem como a designação do respectivo presidente.
    • 8.4. Órgão Académico 

      • 8.4.1. É o órgão de participação da comunidade académica, ao qual compete superintender na gestão académica, científica e cultural da IES e coordenar o exercício do poder disciplinar. 
      • 8.4.2. Este órgão deve representar os diferentes corpos da IES, não podendo ter mais de 30 elementos, nem o peso do corpo de docentes e investigadores doutorados ser inferior a 60%.
    • 8.5. Órgão de Fiscalização

      • 8.5.1. Órgão constituído nos termos definidos pelos estatutos, incluindo obrigatoriamente um revisor oficial de contas.
  • 9. Unidades orgânicas e serviços 

    • 9.1. A organização interna é estabelecida nos estatutos e em regulamentos próprios.
    • 9.2. São órgãos obrigatórios das unidades orgânicas, sem prejuízo de outros, de natureza científica e pedagógica, criados pelos estatutos:

      • 9.2.1. O director, órgão unipessoal que preside por inerência a todos os órgãos da unidade;
      • 9.2.2. O conselho da unidade orgânica (conselho de faculdade, conselho de escola, conselho de departamento, …), com representantes de todos os corpos, não podendo o peso do corpo de docentes e investigadores doutorados ser inferior a 60%.
  • 10. Tutela

    • 10.1. Fica reservado a decisão do ministro da tutela, mediante parecer do órgão nacional de regulação:

      • 10.1.1. A aprovação dos programas estratégicos de desenvolvimento institucional e o acompanhamento do cumprimento dos respectivos objectivos, metas e indicadores fixados em articulação com benchmarkings internacionais.
      • 10.1.2. A homologação dos estatutos.
      • 10.1.3. A aprovação da criação ou extinção de estabelecimentos.
      • 10.1.4. O registo de cursos, para efeitos de reconhecimento oficial dos respectivos diplomas.
      • 10.1.5. A fixação do número de vagas de acesso a cada curso.
  • 11. Aprovação e alteração dos estatutos

    • 11.1. Os estatutos são elaborados pelo Órgão Estratégico, carecendo de ratificação pelo Órgão Académico. 
    • 11.2. Os estatutos e as suas alterações entram em vigor após homologação pelo ministro da tutela, que só os pode recusar com base na falta de cumprimento dos requisitos legais aplicáveis.
  • 12. Regulação do sistema de educação superior

    • 12.1. A autonomia é exercida no quadro da coerência e racionalidade do sistema público de ensino superior, com optimização da utilização dos recursos, com regulação das ofertas educativas em função dos interesses das comunidades e com promoção da cooperação-competição para melhoria geral do sistema.
    • 12.2. A regulação da educação superior compete a uma agência independente.
    • 12.3. A agência independente de regulação tem como missões essenciais:

      • 12.3.1. dar parecer ao governo sobre a criação, modificação, fusão ou extinção de instituições públicas de ensino superior;
      • 12.3.2. dar parecer obrigatório sobre a criação de IES privadas e cooperativas;
      • 12.3.3. dar parecer obrigatório sobre os programas estratégicos de desenvolvimento de cada instituição;
      • 12.3.4. dar parecer obrigatório sobre a fixação do número de vagas para cada curso;
      • 12.3.5. acreditar institucionalmente (por níveis a definir, universidade, faculdade, departamento) para concessão de cada grau;
      • 12.3.6. acreditar todas as ofertas educativas, públicas ou privadas, conducentes a um grau académico.
    • 12.4. Para estas atribuições, a agência dispõe, como aparelho técnico, do organismo de avaliação e acreditação.
    • 12.5. A agência deverá gerar e facultar ao público informação sobre o desempenho das instituições, nomeadamente das avaliações que levar a cabo, mas também acerca da empregabilidade e remunerações dos graduados de cada instituição. 
    • 12.6. Deverá também garantir que não existam práticas discriminatórias em áreas relativamente às quais se preconiza que as instituições tenham ampla margem de decisão como, por exemplo, no acesso.
    • 12.7. Em princípio, a acreditação pela agência faz efeitos para todas as competências do MCTES, que só em circunstâncias excepcionais e fundamentadas se pode sobrepor a ela para efeitos de financiamento, mediante resolução do conselho de ministros.
    • 12.8. Os membros da agência são escolhidos em função estrita do mérito pessoal e nunca por representação institucional.
    • 12.9. Tanto quanto possível, os membros da agência devem cobrir as diferentes áreas de “stakeholding” da educação superior.
    • 12.10. Para garantia da independência, 

      • 12.10.1. O presidente da agência deve ser nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro Ministro e mediante parecer obrigatório mas não vinculativo da comissão parlamentar da educação, ciência e cultura;
      • 12.10.2. Os restantes membros são nomeados pelo Primeiro Ministro e pelo ministro da tutela, sob proposta do presidente da agência;
      • 12.10.3. O mandato dos membros da agência é de cinco anos, renováveis;
      • 12.10.4. A destituição de um membro da agência só pode ocorrer em caso de crime ou de violação muito grave dos seus deveres.

[*] Este artigo foi escrito antes da divulgação do relatório da OCDE.

28.10.2009