O que nos dizem as mortes

João Vasconcelos Costa


A psicologia da morte

Diria La Palice que as pessoas não têm medo da epidemia, têm é da morte. A fotografia de centenas de covas num cemitério à espera dos mortos tem muito mais impacto do que qualquer curva de número de infetados, apesar de esta ser mais determinante para o controlo da epidemia do que o número de mortes. Como analogia que aqui tenho usado, os epidemiologistas podem ser vistos como o general no estado maior que contabiliza baixas num contexto vasto, com outros factores, da estratégia para ganhar a guerra, neste caso contra o inimigo vírus. Nós todos, gente comum, e mesmo os médicos da linha da frente somos os sargentos que na véspera bebiam uma cerveja com o soldado que depois viram morrer. Temos de saber fazer o compromisso entre as duas perspetivas. Como toda a arte do possível, é o que se espera dos políticos.

Esse contexto geral, mesmo em relação às mortes, ultrapassa o imediatismo das mortes devidas à COVID-19. Contabilizamos as desta fase, comparamos situações, mas estamos no começo. Qual vai ser a evolução da mortalidade, no desconfinamento? Quais as consequências de uma segunda vaga? Quantas mortes mais ou menos próximas poderá haver por falta de diagnóstico e de prevenção, com um sistema de saúde desviado para a COVID-19 e praticamente paralisado em relação às outras patologias? E quais as consequências na saúde da crise económica que aí vem? Começando a referir a Suécia, pretexto para este artigo, como se verá, este é um exemplo de como é preciso olhar para todos estes aspetos. O sistema de saúde sueco não foi afetado pela epidemia, continuando a funcionar em pleno, ao contrário dos seus vizinhos que, na prática, encerraram os hospitais para tudo o que não fossem urgências, como nós.

Diga-se que, nesta pandemia, a mortalidade foi também um fator importante para as decisões sanitaristas. Desde o início, os chineses perceberam, ao contrário do que foi a atitude inicial de alguns epidemiologistas europeus, que não podiam seguir o modelo tradicional das pandemias de gripe, pela maior letalidade da COVID-19. Valeu-lhes a experiência do SARS, de 2002-2003, que os europeus não tinham. Mesmo assim, enganaram-se, porque este vírus trazia uma novidade em relação ao seu primo SARS-CoV, com grande repercussão na transmissibilidade e, logo, no controlo da epidemia: a grande percentagem de infeções assintomáticas na COVID-19 e de o vírus poder ser transmitido durante o período anterior ao aparecimento dos sintomas e mais fácil identificação e isolamento dos casos. O SARS pôde ser vencido com um total de oito milhares e meio de casos de infeção, com pouco mais de 900 mortes. Uma brincadeira em relação aos mais de cinco milhões de infetados e quase 340000 mortes com que já vai esta pandemia, ainda muito longe do fim.

“E, no entanto, ela move-se”. A vida vai ganhando, as pessoas habituam-se, a morte toma outro lugar no quadro geral da vida social, da economia, dos hábitos pessoais enraizados e por cujo retorno cada vez mais se anseia. “C´est la vie”, expressão famosa de um nosso político. Ainda hoje li um dito exemplar de um psicólogo: “Creio que em um ou dois meses a maior parte das pessoas vai acomodar-se [à epidemia]. A nossa mente, quando processa estas situações de ameaça ou perigo, é muito dicotómica. Isto é, avalia em termos de extremos. Em termos adaptativos, partimos sempre do princípio que pode acontecer o pior, para nos protegermos. Portanto, a avaliação que fazemos em cada situação de ameaça ou potencial ameaça, não é ponderada, refletida, demorada. Pelo contrário, é automática e imediata”.

Temos tido, nos últimos dias, cerca de dezena e meia de novas mortes por dia. Toda a gente Vê este número com otimismo, e com razão. Mas recordemos que tal número era o que se verificava no fim de março e era então visto com alarme. A nossa psicologia é altamente adaptativa.

O significado epidemiológico das mortes

Teoricamente, o indicador principal da evolução e gravidade da epidemia é o da sua dimensão em relação à população, mais do que o número absoluto de casos. É óbvio que um milhar de casos tem significado totalmente diferente na Itália ou em San Marino. Portugal parece ter uma dimensão relativamente moderada da epidemia, com praticamente 31000 casos, mas está colocado a meio da tabela europeia se virmos que isso significa 1,3 mortes por milhão de habitantes, contra, por exemplo, 0,9 na R. Checa, 0,7 na Dinamarca, 0,6 na Finlândia, 0,4 na Áustria e, surpreendentemente, 0,3 na Grécia. Mas também, por outro lado, 8 na Suíça, 5,8 na Bélgica, 3,4 na Holanda, para não se falar nos campeões da epidemia, Reino Unido, Espanha, Itália, França e Alemanha, com taxas de mortalidades superiores a 2. Pode parecer estranho este valor relativamente baixo, quando só vemos os números absolutos, de centena e meia ou duas centenas de milhar de casos, mas são os países mais populosos da Europa.

No entanto, o número de mortes pode ser mais útil para trabalho epidemiológico e de modelação, por ser muito mais fiável do que o número de casos de infeção. A estimativa do número de infetados é muito difícil, quer porque muitos casos clínicos passam subdiagnosticados por falta de confirmação laboratorial quer porque, muito mais importante, há uma grande percentagem de infetados assintomáticos. 

Há duas formas de se olhar para os dados das mortes: como valor absoluto, o que quase toda a gente tende a fazer, ou como taxa, no quadro geral da epidemia. Note-se que há a ideia de que o número de mortes é um indicador seguro, porque corresponde a um facto óbvio, pouco suscetível de subidentificação. Não é bem assim, porque a contabilização das mortes difere de país para país. Não entrando em pormenores, sirvam de exemplo dois países com dimensão epidémica próxima e com considerável diferença no número de mortes, a França e a Alemanha. Ambos têm um total de infetados entre 150 e 200 mil, mas a França conta com 28281 mortes (23 de maio) e a Alemanha com 8247. Ou, com menor dimensão, mas na mesma ordem de grandeza, a Bélgica conta, proporcionalmente ao número de casos, com quase quatro vezes mais mortes do que Portugal. O caso da Bélgica é de sobrecontabilização, contando como COVID-19 todas as pneumonias atípicas. Portanto, cuidado com os números.

Vendo as mortes em termos relativos, há duas taxas a distinguir. A mortalidade é referente à população medindo-se, por exemplo, pelo número de mortes de COVID-19 por milhão de habitantes, ou 100000, conforme dê mais jeito ao arredondamento da taxa. A outra, de que nos vamos ocupar, é a letalidade, em que o denominador é o número de infetados. De facto, desdobra-se em duas: nesta fase, falamos de letalidade como “case fatality rate”, CFR, referida ao número de casos identificados clínica ou laboratorialmente. Maior significado tem a “infection fatality rate”, IFR, que conta com todos os infetados assintomáticos, número que só se pode calcular muito mais tarde, com estudos serológicos globais.

Contra a tendência vulgar, não se pode separar a análise do número de mortes da do número de infetados. É inevitável, dentro de alguma variação, que quantos mais infetados mais mortes. Se pensarmos em aliviar controlos aceitando conviver com um número maior de casos de infeção, por exemplo em termos de número diário de novos casos, temos de aceitar como consequência direta, conviver com um número maior de mortes.

Simplificando muito (desde logo, as funções podem não ser lineares), o número de mortes, M, é proporcional ao de infetados, I, segundo M = lt . m . I, sendo lt um coeficiente “natural”, biológico, de letalidade dependente apenas da interação vírus-homem e m um coeficiente de mitigação, devido, por exemplo, às medidas de bloqueio ou à eficácia dos meios terapêuticos. É claro que só podemos alterar o resultado da função modificando o coeficiente m.

De facto, a função é mais complicada. Mesmo simplificando, ela desdobra-se em duas parcelas, sendo M = lt’ . m’ . I0-70 + lt’’ . m’’ . I+70. Os coeficientes lt e m passam a dividir-se no que respeita aos dois grupos etários (para simplificar, porque o grupo de risco é mais vasto do quer os mais de 70 anos). A taxa de letalidade da segunda parcela, como se sabe, é muito superior à da primeira. Por exemplo, em Portugal, a taxa geral de letalidade é 4,3%, mas, decompondo, lt’.m’ tem o valor de 0,7% % e lt’’.m” de 16,7%. Como se disse, estes valores refletem o efeito combinado, em sentidos opostos da letalidade biológica (lt’ ou lt’’) e das medidas para cada grupo (m’ e m’’). 

Simplesmente, não é possível isolar as duas parcelas. Mesmo que se reduza ao máximo a letalidade no grupo de risco, aumentando as medidas – o que aqui significa diminuir o coeficiente m – este efeito pode ser parcialmente anulado se o número de infetados da primeira parcela contribuir, proporcionalmente e apenas pelo contacto social, para aumentar o número de infetados na segunda parcela. É um balanço difícil de gerir, e a que voltaremos. Se se consentir uma maior taxa de ataque na população sem risco, é preciso compensar com cuidados mais rigorosos em relação à população de risco, para limitar o número de mortes. parece elementar, mas convém lembrar.

É também a segmentação etária que explica que a taxa de letalidade vá aumentando com o número de infetados nos países com maior dimensão da epidemia. Por exemplo, na Itália e na Espanha, a letalidade era em 21 de março de 9,0% e 5,4%, respetivamente, quando o número de casos estava a rondar os 30 a 50 mil casos. Hoje, está em 14,2% e 12,2%, respetivamente. A explicação mais plausível é a de que, com o aumento de número de casos, aumentou o número de infetados que contataram pessoas em grupo de risco. É um facto a ter presente no desconfinamento, se aumentar o número de casos, mesmo que, como se deseja, seja um pequeno aumento.

Um exemplo flagrante da distinção dos grupos de risco na relação mortes/casos é o de Singapura. É hoje o país com menor letalidade, 0,07%, com 23 mortes. Mas se observarmos a evolução dos números, verifica-se que o número de mortes progrediu muito lentamente desde o início da epidemia, enquanto que o número de casos, que inicialmente tinha uma curva do mesmo tipo, acelerou bruscamente em meados de março, passando quase a exponencial. isto correspondeu a um surto, não contido, num acampamento de trabalhadores imigrantes, com dezenas de milhares de pessoas. Sendo relativamente jovens, a letalidade nesse grupo está a ser baixíssima, fazendo diminuir imenso a letalidade anterior. É preciso nunca esquecer que uma fração tem sempre um numerador e um denominador…

As estratégias e os seus objetivos

As estratégias adotadas para combate à pandemia, ou melhor, em cada país a sua epidemia, foram de três tipos. A China, inspirada no seu anterior modelo de combate ao SARS – e apesar das diferenças que assinalámos – foi, como se sabe, para a imposição de um bloqueio (“lockdown”) muito rigoroso, com encerramento de fronteiras externas e internas, grau extremo de confinamento da população em geral, encerramento de quase toda a atividade social (educação, comércio, serviços, mesmo indústria). Foi o modelo depois seguido pela grande maioria dos países, nomeadamente na Europa. Note-se que esta estratégia na Europa não se baseou em nenhuma simulação com base em modelos matemáticos, contra o já se tem escrito. O artigo do Imperial College que parece ter motivado a adoção do bloqueio pelo governo britânico foi dado a conhecer semanas depois de muitos países europeus, incluindo Portugal, já terem imposto o bloqueio. Esta decisão, forçosamente sem muita fundamentação científica, inexistente, teve de ser forçosamente mais ditada pelo alinhamento com a experiência chinesa e pela pressão da opinião pública, ciente de que esta epidemia não era uma gripe, antes trazia consigo um risco apreciável de morte.

Outra estratégia foi a da Coreia do Sul e outros países asiáticos (Taiwan, Singapura, Hong Kong e Japão), que impuseram medidas de distanciamento social muito menos rigorosas mas, em contrapartida, asseguraram um sistema de vigilância epidemiológica muito eficaz, nas fronteiras e no país, com um grande número de testes a permitir a identificação rápida dos infetados e dos seus contactos, isolando-os e quebrando as cadeias de transmissão. Foi uma estratégia bem sucedida na Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong, mas perturbada pelo episódio referido em Singapura (hoje o segundo país mais afetado do Pacífico ocidental) e também por um surto no Japão, agora quase controlado.

Muito diferente foi a estratégia de risco sueca. É preciso caracterizá-la bem. Como já escrevi antes, e ao contrário de muitas ideias feitas, a estratégia sueca não é de “deixa infetar”, com vistas a se alcançar imunidade de grupo. Há medidas recomendadas de distanciamento, encerraram as escolas secundárias e as universidades, são proibidas reuniões de mais de 50 pessoas, estimulou-se o teletrabalho. Em contrapartida, não fechou o pequeno comércio (nem sequer os centros comerciais) e continuaram abertos os restaurantes, bares e cafés, mas só com serviço de mesa e distância entre as pessoas. O mais significativo é que as orientações de distanciamento não foram impostas, confiando-se na disciplina da população.Veremos adiante as implicações disto na exportação desta estratégia.

Três estratégias diferentes mas com alguns objetivos comuns: impedir a expansão descontrolada da epidemia (também um objetivo sueco), manter as necessidades de hospitalização – em particular em cuidados intensivos – dentro da capacidade de resposta dos serviços de saúde e limitar as mortes até um “valor aceitável”. Não nos sensibilizemos para já com esta designação com algo de macabro. Voltaremos adiante.

Supressão e mitigação: o achatamento da curva

Disse-se e redisse-se que o importante era distribuir pelo tempo o número de casos para que, em cada dia, ele não fizesse colapsar o sistema de saúde. Com exceção da Itália e da Espanha, num período transitório, este objetivo foi largamente cumprido em toda a parte. Em Portugal, com disponibilidade de cuidados intensivos para cerca de 1300 doentes, nunca houve mais do que 230 doentes simultaneamente nessas condições e o número máximo de hospitalizados ao mesmo tempo foi de cerca de 1300. Claro que é necessário contar-se com a reserva de camas necessárias para outras emergências. No entanto, o nossos SNS esteve fragilizado, mas principalmente no que respeita a meios humanos, sujeitos a um enorme esforço. Também no que respeita à resposta às solicitações normais, de todas as patologias, que não desapareceram e para as quais a resposta ficou muito diminuída.

Pretendia-se um planalto na curva, mas ao mesmo tempo um desenvolvimento controlado da epidemia que levasse a uma relativa “extinção normal” no sentido clássico da epidemiologia, e pensando-se numa aquisição progressiva de imunidade até à disponibilidade de uma vacina. Dizia-se então, lembram-se, que se ia fazer a mitigação, termo que depois passou a ter uma conotação negativa.

Nesta fase, não havia grande diferença de fundo entra as estratégias na Europa, apenas de grau. Anote-se que, mal ou bem, o único país que, logo no início de março, elaborou modelos como instrumento para adoção de um plano de mitigação foi paradoxalmente a Suécia, que dispunha de uma boa equipa de epidemiologia. Os outros países, com dificuldade em fundamentarem cientificamente as medidas e com divisão de opiniões – recorde-se o caso do encerramento das escolas, em Portugal — seguiram uma linha prudencial, de que “na dúvida, é melhor fazer”.

A dificuldade maior, em relação à base mais elementar da metodologia científica, era a ausência de um controlo negativo. Qual a evolução “natural” da epidemia, em caso de não intervenção? Quantos casos, quantos mortos? Evidentemente, seria uma experiência científica impossível, mesmo olhando para os mais carenciados dos países, que sempre teriam de tomar algumas medidas. Aliás, até há sempre medidas espontâneas, tomadas por iniciativa pessoal, motivada pelo medo. Os modelos também não ajudavam, com previsões muito díspares e que, em muitos casos se vieram a mostrar desajustada com a realidade. Por exemplo, o grupo do Imperial College estimou 8,4 milhões de casos para o “curso normal” da epidemia em Portugal, o que até ultrapassa largamente o limiar da imunidade de grupo, 6-7 milhões. E também previa que, até ao fim desta primeira fase, adotadas as medidas que adotámos, teríamos cerca de 700000 casos e 3816 mortes. Vamos, já a desconfinar, com cerca de 30000 casos (admitamos que dez vezes mais casos reais) e 1330 mortes. Os modelos devem ser vistos com cautelas.

No entanto, o modelo do Imperial College teve um enorme impacto. Primeiro porque era de tal forma catastrofista que obrigou o governo britânico a uma inflexão na sua política de confiança na imunidade de grupo (com muito menos medidas do que a Suécia). Depois, porque veio reconfortar a posteriori os restantes governos europeus, até então sem fundamentação científica sólida e confrontados com pressões económicas reticentes contra o bloqueio. Digo a posteriori porque o estudo foi publicado em 16 de março, mas só tendo tido grande divulgação nos dias seguintes. Entretanto, os bloqueios já tinham sido decididos independentemente das modelações, por exemplo no dia 8 pela Itália, no dia 11 pela Dinamarca, no dia 12 pela Noruega e no dia 13 por Portugal. No entanto, lê-se frequentemente que os bloqueios foram adotados com base no modelo do Imperial College o que, como se vê, não corresponde à verdade.

O modelo também veio dar importância a uma coisa que, sem se saber então, estava a ser feito pelos países do bloqueio extremo. Em vez da mitigação pretendida, com simples achatamento da curva, e que o modelo condenava, estava-se de facto a fazer o que o modelo propunha, a supressão. Recorde-se que a mitigação significava o achatamento da curva, prolongando-a no tempo, mas de forma a que o número total de casos, dado pela área coberta pela curva, fosse compatível com a tal evolução natural. Isto significaria a possibilidade de juntar o útil da garantia da capacidade do SNS com o agradável de se ficar possivelmente próximo do limiar da imunidade de grupo.

A força das medidas, que ninguém podia calibrar – e daí que nenhum governo possa ser criticado, nem que, por outro lado, haja qualquer razão para negacionismo – resultou, na prática, em coisa diferente, a supressão, como se disse. É verdade que já se podia suspeitar disto, vendo-se a curva chinesa. Baixou-se consideravelmente o número máximo de casos, abaixo de colapsar o sistema de saúde, e este foi um resultado muito positivo, repita-se. Mas, simultaneamente, manteve-se ou aumentou-se pouco (e mais na vertente descendente) a largura da curva, sem o tal achatamento, diminuindo o número total de casos. Veremos a seguir as implicações disto.

As consequências teóricas das estratégias

1. A estratégia coreana tem em comum com a chinesa/europeia o resultar na continuação da circulação do vírus, mesmo que dificultada e com um número reprodutivo (R0) muito mais baixo. A imunidade de grupo fica muito distante e a possibilidade de vacinação é imprevisível e nunca para os próximos meses. No caso da estratégia coreana, que assenta na testagem e não no bloqueio, há a vantagem de não haver considerável penalização económica e de um número mais reduzido de casos – a Coreia, com uma população cinco vezes maior do que a portuguesa, teve três vezes menos casos. Um número mais reduzido de casos significa um número menor de hospitalizações e de cuidados intensivos e, proporcionalmente um menor número de mortes: 266 numa fase já de controlo final de epidemia, contra os nossos 1330 até agora.

Além disso, a existência de uma boa rede de vigilância epidemiológica, com testagem inteligente (expressão bem encontrada de um amigo meu sanitarista) é também o que se exige imprescindivelmente na fase de desconfinamento das políticas de bloqueio. A UE deixou-o bem expresso, mas, no nosso caso, não foram tornados públicos os contornos do sistema. Seria muito tranquilizador para as pessoas, tanto mais que é da experiência de muita gente que os nossos sistemas de vigilância epidemiológica, para outras doenças, têm falhas significativas.

Por outro lado, a estratégia coreana, sendo muito focalizada num único instrumento principal, a testagem, fica muito vulnerável a qualquer sua falha. Como se referiu, foi o que aconteceu no Japão e em Singapura. No entanto, em relação à situação previsível de manutenção larvar mas difundida do vírus nos desconfinamentos, o que se passou no Japão e em Singapura foram focos localizados facilmente identificados, alvos de medidas especiais e dirigidas de contençãp. Não se trata de ciclos de bloqueio e desbloqueio geral, como há o risco de acontecer na Europa. Note-se também que tudo indica que a ação de vigilância epidemiológica muito cuidadosa  tem de ser mantida por um longo período, dado que ainda agora, com a situação bem controlada, continua a haver sempre entre 10 e 20 novos casos diários na Coreia do Sul. É uma muito pequena ameaça, mas não deixa de ser ameaça.

2. A estratégia de bloqueio, à chinesa/europeia, resultou na supressão mais ou menos acentuada da primeira onda da epidemia e o grau de supressão está relacionado, grosso modo, com a data precoce da adoção das medidas. Negar o efeito das medidas é um contrassenso e uma estupidez, que só passa pela cabeça dos negacionistas. Diferente é analisar criticamente esse efeito. Também parece ser opinião unânime, de elementar perceção da vida, de que nenhum país, nenhuma economia e nenhuma psicologia humana suporta o bloqueio por muito tempo. Muitos certamente duvidariam mesmo de que os portugueses tivessem sido bastante pacientes durante estas seis semanas. Isto significa que, mais importante talvez do que planear o confinamento é planear o desconfinamento.

Que eu conheça, apenas a Dinamarca, na Europa, baseou o seu desconfinamento (a expressão corrente na Europa é levantamento do bloqueio, “lockdown lift”) num modelo matemático. Daí que, por exemplo, tenham começado pela abertura das escolas para crianças até aos 10 anos, ao contrário do que se fez em Portugal.

Como disse, não é possível dispor de uma base de análise empírica para avaliar o efeito da estratégia de bloqueio. Fica a simulação matemática, como tem sido feita, com todas as suas limitações. Os resultados têm sido muito díspares, desde uma redução modesta de 25% do número de mortes, num estudo português<https://www.unl.pt/sites/default/files/impacto_das_medidas_de_contencao_da_covid-19_em_portugal_3_maio_final.pdf> até uma redução de 92% do número de casos na China, num estudo da London School of Hygiene and Tropical Medicine,<https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2468-2667%2820%2930073-6>, em parte com base em dados reais, mas também com projeções futuras.

Seria muito importante para a definição do desconfinamento e sua monitorização fazer-se a decomposição do efeito das medidas. É fácil implementá-las, de uma só vez, mas depois há que saber como aligeirar: todas progressivamente, o que é muito difícil de graduar? Ou seletivamente, e então é necessário conhecer o seu impacto específico, começando-se pelas de menor impacto. Este é um conhecimento essencial que falta, que não se tentou suprir durante o tempo do confinamento, nem cá nem em outros países, com a referida exceção da Dinamarca. O desconfinamento terá de ser por palpite, por navegação à vista e por guinadas de correção, se necessário. 

A outra implicação importante da estratégia de supressão é a impossibilidade de aquisição de imunidade de grupo. Isto tem sido muito divulgado e os meus leitores conhecem o problema. Relembre-se só que ele se coloca não só em termos de risco de descarrilamentos do desconfinamento, em que o bom senso sanitarista pode ser submetido ao interesse político e económico – atente-se nas pressões do turismo na época que se avizinha – mas principalmente em relação à gravidade de uma segunda vaga, cuja probabilidade é considerada pela grande maioria dos epidemiologistas e que traz logo à mente a experiência da gripe espanhola, com a vaga de 1919 muito mais mortífera do que a primeira vaga de 1918.

3. A estratégia sueca tem resultado em verdadeiro achatamento da curva, num cenário de mitigação em vez de supressão. O país tem convivido com o prolongamento da epidemia, com um aumento aritmético dos casos, mantendo-se o número de novos casos diários entre 500 e 600, número muito superior ao de muitos países europeus já em desconfinamento, estes com menos de 100 casos diários, ou de Portugal, com uma média mais alta, de 230-240 novos casos diários. Entretanto, como tem sido sistematicamente apontado, há uma letalidade consideravelmente superior à média, embora com uma taxa que está em queda notória. Discutiremos adiante a questão da letalidade na Suécia.

Um mito corrente é que a Suécia adotou a sua estratégia sem base científica, por tradição do que se conhecia para as epidemias de gripe. Não é verdade, como disse atrás. Desde março, com atualização mensal, a Suécia tem tratado a epidemia com modelação matemática, de que tem boa experiência, e não só para o total do país como também para cada região. Por isto, concentrou-se no que estes modelos indicavam como principais centros de risco: as aglomerações e os restaurantes fechados. Proibiu logo as reuniões de mais de 50 pessoas e estabeleceu medidas rigorosas de distanciamento nos restaurantes, do tipo das que estamos agora a adotar.

Ainda é cedo para se avaliar a estratégia sueca, embora muitos a estejam a condenar liminarmente. A seu favor tem a escassa perturbação da vida comum que causou, e principalmente da atividade económica, a regularidade do número de casos diários que permite uma boa gestão do sistema de saúde (que nunca fechou para as situações não-epidemia, ao contrário dos países vizinhos e, na prática, Portugal) e, principalmente, a perspetiva de muito melhor situação em relação a uma segunda vaga, por a população estar muito mais avançada do que a dos outros países em termos de imunidade de grupo.

No entanto, isto tem sido posto em dúvida por um recente estudo serológico<https://medicalxpress.com/news/2020-05-stockholm-virus-antibodies-sweden.html> da responsabilidade da própria agência de saúde sueca. Os resultados mostram que “apenas 7,3% dos habitantes da província de Estocolmo possuem anticorpos”, como noticiaram os jornais. É uma meia verdade, de quem não tem base científica para criticar dados. Os resultados referem-se a uma colheita feita em 18 de abril. A taxa de seroprevalência, num determinado momento, não coincide com a de infetados, porque uma pessoa infetada demora algumas semanas a desenvolver anticorpos. Os resultados de 18 de abril refletem a situação epidemiológica de nunca depois de meados de março, quando a Suécia tinha identificado cerca de 2000 casos, metade dos quais na província de Estocolmo (25% da população do país). Isto vem ao encontro de um bom número de estudos serológicos parcelares já feitos em vários países, que indicam uma percentagem de infeções dezenas de vezes superior à de casos identificados. Fazendo a projeção para o atual número de casos, não há razão para se pôr em causa a previsão oficial sueca de que 25-30% da população da província de Estocolmo terá adquirido anticorpos no princípio de junho. 

Isto não significa, claro, imunidade de grupo, que teoricamente, para o R0 da COVID-19, se situa nos 60-70% de imunização natural ou vacinal (limiar de imunidade de grupo, I=1-1/R0). Também é certo que a agência sueca não está a pretender imunidade de grupo para breve, apenas uma teoricamente maior capacidade de resistência a uma segunda vaga.

Anote-se, porem, que tanto neste caso como nos estudos que estão a ser feitos em muitos países, a presença de anticorpos não significa obrigatoriamente imunidade nem dá indicação do seu grau. Só uma classe de anticorpos contra o vírus, em geral contra a proteína de adsorção às células, é que são neutralizantes, isto é, bloqueiam a infeção. E mesmo a presença destes não garante a sua perenidade, que pode ser de curta duração (meses ou poucos anos).

Insisto também em que as medidas atenuadas ou seletivas na Suécia estão longe de terem significado “deixa infetar”. Neste sentido, é interessante comparar com o caso britânico em que, até à guinada de 24 de março e imposição do bloqueio, praticamente não havia medidas de combate à epidemia, a não ser o isolamento dos doentes e vigilância dos contactos. Nessa data já havia 6733 casos, quando a Suécia tinha 2059 casos, tendo os primeiros casos acima de 100 ocorrido em ambos os países na mesma data, 6 de março.

Poderia a estratégia sueca ter sido seguida por outros países, o que daria legitimidade à discussão da validade relativa das duas estratégias? Duvido fortemente. Os suecos tiveram uma aceitação das simples recomendações oficiais, não coercivas, superior muitas vezes à de populações em bloqueio e têm também um alto grau de confiança na independência e competência da sua agência de saúde pública. Há uma percentagem muito baixa de lares plurigeracionais e a maior percentagem europeia de teletrabalho. Como é de conhecimento geral, são também por natureza e cultura menos expansivos, com menor contacto físico. Não são latinos… Note-se, por exemplo, que se estima que, em Portugal, o confinamento reduziu em dois terços a circulação, enquanto que, mesmo no fim de semana na Páscoa, andavam pelas estradas suecas apenas 10% dos carros em relação ao habitual.

Como aceitar as mortes?

Chegamos à pergunta mais difícil. Como se disse, os próprios critérios afetivos, que impressionam as pessoas, vão mudando com a situação, com a habituação à epidemia. A noção de “número aceitável de mortes” (passe a aparente frieza da expressão) não tem nada de científico, pertence apenas ao domínio da política. Pensemos num caso histórico, diferente, o da oposição popular americana à guerra do Vietnam. Não foi ideológica, nem por interesses económicos, e só parcialmente por oposição ao recrutamento militar. Foi principalmente pelo número de mortos em combate. mas qual foi o número necessário para essa reação? Mistérios da psicologia de massas…

Os políticos têm apresentado várias perspetivas de avaliação dessa aceitabilidade, forçosamente em termos muito gerais. Uma primeira perspetiva, mais racional, é o de mortes abaixo da capacidade de resposta do sistema de saúde. Que njnguém possa morrer de COVID-19 apenas por falta de tratamento. Felizmente, estamos muito longe desta situação.

Ou então por comparação com a taxa normal de mortalidade para a época do ano. Mas volta-se ao mesmo problema: que aumento podemos aceitar? Mais um quarto, o dobro, ou que outro valor? 

Ou que não aumente o número de mortes em relação ao bloqueio. No fim do bloqueio, era, grosso modo, de uma dezena e meia por dia. Parece pouco mas, atendendo a que nada justifica pensar-se que ele vai diminuir com o desconfinamento – nem está de facto a diminuir –  isso significa mais tantas mortes como até aqui nos próximos três meses. Está dentro do “número aceitável”?

Também por comparação com outros países, como a imprensa gosta tanto de fazer. Não faz sentido, dada a especificidade de cada caso, e o menor significado do número absoluto de mortes por comparação com a taxa de mortalidade.

Ainda a perspetiva holística e com ponderação de custos benefícios, embora com o aspeto chocante de atribuição de uma espécie de preço a cada vida. Conter o número de mortes imediatas pode significar um maior número de mortes futuras. Pode significar que os efeitos sociais e económicos desse esforço acabem por causar, indiretamente, um número considerável de mortes por falta de cuidado e diagnóstico agora, pelos efeitos no sistema de saúde da inevitável crise económica e de diminuição da despesa pública. Também, ainda, outros componentes da saúde pública, nomeadamente a saúde mental e o desenvolvimento psicossocial das crianças. E até as consequências da atual situação educacional no agravamento das desigualdades de origem social no rendimento escolar.

Sou cientista e não tenho qualquer resposta para estas perguntas. Nem tenho de ter, como tal; apenas como cidadão porque elas são do domínio da política. Deixo-as aqui apenas como motivo para reflexão racional por todos nós.

Tudo isto teve de ser ponderado na escolha da estratégia, mas é passado e até admito sem dificuldade que, nas nossas condições, principalmente de falta de instrumentos científicos, não havia alternativa. Mas a situação repete-se agora, no desconfinamento. Como disse, ninguém pensa que o desconfinamento vai extinguir a epidemia. Vai continuar a haver casos, eventualmente até mais, sendo a mensagem transmitida politicamente (e simbolicamente por atos dos governantes) de que nos vamos habituar a conviver com o vírus. Disse-se mesmo que só haveria razão para recuo se, por exemplo, houvesse uma solicitação diária de mais do que 1000 internamentos. Ora este número de internamentos corresponde, grosso modo, a 500 novos casos diários, 2,5 vezes o número atual. Quinhentos casos diários, a manter-se a taxa de letalidade, equivalem a 215 mortes diárias. É um número aceitável? Tenho a impressão triste (porque não gosto da opção 8 ou 80) de que cada vez mais o cidadão comum vai deixar de dar muita importância ao número de mortes, a não ser que lhe toque à porta.

As mortes na Suécia

Será que também os jornais se vão cansar de falar nas mortes na Suécia? Deixo para esta secção destacada a questão das mortes na estratégia sueca. Afinal, os que me têm lido sabem que este artigo se deve muito à impossibilidade que tive de tratar seriamente este assunto no espaço do facebook e com um tipo particular dos seus utilizadores. 

É indiscutível que a Suécia apresenta índices de mortalidade elevados, embora não no quadro geral europeu; é principalmente em relação aos seus vizinhos, o que é um critério um pouco abstruso, numa pandemia global e não apenas regional. No dia de anteontem (24 de maio, últimos dados da OMS), tinha acumulado 3692 mortes (2,8 vezes mais do que Portugal, para número de casos da mesma ordem de grandeza), representando 3,9 mortes por milhão de habitantes (3 vezes mais do que Portugal), com uma letalidade de 10,6% (2,5 vezes mais do que Portugal) e um número médio de novos casos (em sete dias) de 45 (3,2 veres o de Portugal).

A pergunta necessária é se essa mortalidade é inerente ao modelo estratégico e se deve ser usada, por si só, para o invalidar. A resposta não é linear, embora o esteja a ser para a grande maioria dos detratores antecipados da estratégia sueca. Em que é e como é que a estratégia afeta o número de mortes?

Se pensarmos na primeira fórmula de função que apresentámos acima, o número de mortes é proporcional ao número de casos. Os responsáveis da agência de saúde pública defendem, com lógica, que, não tendo a estratégia resultado num número de casos significativamente diferente (em relação ao número de habitantes) do de outros países europeus, e sendo o número de mortes proporcional, a maior letalidade se deve a um fator acidental, marginal à estratégia. Teria sido uma grande incidência nos lares de idosos da área de Estocolmo, onde ocorreram mais de metade das mortes. 

Isto é verdade, mas não se pode isolar completamente os dois aspetos. Recorde-se a segmentação feita atrás da função que relaciona csos de infeçaõ e mortes. Para manter controlado o número total de mortes, e aumentando a primeira parcela por menor severidade das medidas, tem de se diminuir forçosamente a segunda parcela, intervindo com muito mais eficácia na proteção do grupo de risco.

Desde início, a Suécia anunciou uma estratégia de risco, com menor esforço geral de supressão da epidemia, mas, indissociavelmente e porque tinha de se ter em conta a proporcionalidade que referi, anunciou também que se tomariam medidas adequadas à proteção eficaz do grupo de risco, nomeadamente os idosos internados em lares. Isto falhou e uma falha destas, embora não pondo em causa a validade de uma estratégia, compromete a autoridade de quem a põe em prática e lança dúvidas razoáveis sobre a viabilidade prática da estratégia.

É verdade que a falha de proteção dos lares foi rapidamente reconhecida, as suas causas estudadas (aspetos de qualidade da prestação de serviços, da organização, da sobrelotação, da qualificação do pessoal, etc.), e tomadas medidas de correção. Elas estão a ter resultados notórios na queda progressiva do número de mortes diárias, para praticamente um número constante de novos casos.

Da mesma forma, não se tomou em conta a importância dos fatores culturais em que se baseia a estratégia em relação às diferenças significativas para as comunidades de imigrantes, algumas das quais desproporcionadamente afetadas pela epidemia, também em mortalidade.

Pode ter alguma razão a antiga diretora da Agência, Annika Linde, quando afirma, sem negar o essencial da estratégia, que um grau inicial maior de medidas, mesmo sem bloqueio total, teria permitido ganhar tempo para corrigir as deficiências já conhecidas nos lares de idosos.

Dizem também os responsáveis suecos que os seus índices de mortalidade/letalidade são inferiores aos de países como a Itália e a Espanha. É verdade, mas o argumento não é muito sólido porque, como já vimos, interessa também o número total de casos. Recorde-se, como já dito, que na Itália e na Espanha, a taxa de letalidade foi aumentando com o número de casos. À medida que há mais casos há maior número de infetantes potenciais para o mesmo número de pessoas do grupo de risco. de certa maneira, dentro dos riscos para o grupo de risco estão os infetados mais jovens. Quando a Itália e a Espanha tinham a mesma dimensão epidémica da atual na Suécia, as suas taxas de letalidade eram de 9,0% e 6,6%, respetivamente, inferiores aos atuais 10,6% da Suécia.

Onde os responsáveis têm razão indiscutível, mas ficando a pairar a dúvida sobre a situação final, é na afirmação de que a epidemia é uma situação prolongada. a história mostra que uma epidemia deste tipo pode ser atrasada, dificultada, mas não travada por completo até que ela própria “se canse”. É uma maratona, cuja meta só se pode ver perto da disponibilização de uma vacina ou da aquisição da imunidade de grupo. O que se tem feito nestes curtos dois meses europeus é uma rapidíssima corrida de sprint, mas os corredores de sprint não costumam ser bons corredores de fundo. Os mortos só poderá ser contados e comparados quando se chegar ao fim da corrida.

Os próximos meses são imprevisíveis. Neste momento, quase nada se sabe sobre a variabilidade do vírus, sobre os seus fatores de virulência, sobre a imunidade que confere. Nem sequer ainda se tem uma ideia, mesmo que grosseira, da dimensão real que já teve a pandemia. Em relação ao desconfinamento, ainda não há tempo para o avaliar, em termos de números de casos e de mortes, não sabemos o que serão as consequências de uma possível temporada longa de guinadas, de ciclos de confinamento/desconfinamento. Também se desconhece se e como será uma provável segunda vaga, mais para o fim do ano. 

Falámos das estratégias. Com todos estes imponderáveis, quem tem poderes mágicos para saber desde já como estará cada país preparado para esses cenários eventuais mas não fantasistas?

É cedo para fazer críticas, faltam muitos dados. E nem há razão sequer para críticas, muito menos sem fundamentação científica. Não as críticas de quem agora acordou especialista, com a paixão, irracionalidade e fervor nacionalístico que por aí se vê. Nem críticas ao modelo chinês, nem ao coreano, nem ao sueco; racionalmente, objetivamente, com evidência, não é possível. É a única atitude verdadeiramente científica.

Com exceção de dois loucos que andam lá no outro lado do Atlântico – e felizmente controlados por alguma lucidez dos que os rodeiam – os governantes de todos os países têm sido responsáveis e têm atuado de acordo com a evidência objetiva muito limitada de que dispõem. Os resultados finais desta pandemia trarão ensinamentos e ajudarão a clarificar o impacto de cada uma das estratégias adotadas. Será tarde demais em relação a esta pandemia mas, infelizmente, nada indica que esta seja o fim da história da epidemiologia.