Mais semana menos semana, vai ter de se programar o alívio controlado das medidas em curso de distanciamento social, como muitos países europeus já estão a fazer ou a programar. Muita gente tende a tranquilizar-se pensando que esse alívio, da mesma forma que julgam que foi a da adoção das medidas, tem garantias de fundamentação científica. Infelizmente, não é assim. Até se pode dizer que, numa situação de tanta incerteza científica e ainda tão escasso conhecimento sobre o vírus e a sua epidemiologia, as medidas de bloqueio foram mais determinadas por fatores políticos, pela opinião pública, pelo medo e pela psicologia coletiva – nomeadamente o impacto das mortes–, pela pressão da comunicação social e das redes.
Não sou especialista e confio nos sanitaristas. Mas, assim como aconteceu na imposição de medidas, em que houve necessariamente muita decisão por sentido comum ou por influência do que parecia estar resultar noutros casos, provavelmente o mesmo se vai fazer agora, ao inverso. Não houve evidência científica para fundamentar as medidas, que se basearam principalmente no bom senso. Também não há evidência científica para fundamentar o alívio.
Creio que não será possível fazer de outra forma, com fundamentação científica. Mas devemos aprender para uma próxima ocasião – cada vez mais provável, dadas as condições favoráveis de ecologia e formas de vida.
Já é banal dizer-se que o risco de um alívio descontrolado é a reemergência de novos surtos epidémicos, porventura de maior dimensão do que o atual. Sendo banal, merece alguma discussão e maior aprofundamento. Comecemos por coisas elementares, sobre a dinâmica de uma epidemia. Tipicamente, a curva temporal de novos casos, com ou sem intervenções, é sempre uma curva em sino (o que não quer dizer que seja uma curva de distribuição normal, em termos estatísticos, como já se tem visto escrever). De início, aumentam exponencialmente os casos, quando cada infetado transmite a mais do que uma pessoa, estas a outras e sucessivamente. Depois, a curva atenua o crescimento, atinge um pico mais ou menos pronunciado e começa a decair, por várias razões, mas essencialmente porque o vírus vai encontrando cada vez menos pessoas suscetíveis à infeção. Também porque, ficando mais tempo no ambiente sem passar a novo hospedeiro, vai sofrendo mais os efeitos dos agentes de inativação.
O principal fator é a imunidade, seja porque entretanto se conseguiu imunizar a população com uma nova vacina seja porque o número de pessoas infetadas e que por isto começaram a produzir anticorpos contra o vírus passou a impossibilitar a sua propagação. É o que se chama ter-se adquirido imunidade de grupo (ou coletiva, ou populacional, termos equivalentes). A imunidade de grupo é adquirida, em geral, quando cerca de 60% da população teve contacto com o vírus,
A curva A na figura acima traduz essa situação característica de qualquer epidemia. O que se passou de novo com a COVID-19 foi o aspeto particular da sua gravidade em relação à morbilidade e, logo, às capacidades dos sistemas de saúde. Ao contrário de outras pandemias – deixando agora de lado o caso da SARS, um caso muito particular – a COVID-19 tem maior letalidade e principalmente maior exigência de internamento, com cuidados intensivos muito prolongados. A possibilidade de colapso do sistema de saúde colocou-se em grau nunca antes visto.
Entendeu-se logo que o combate à epidemia devia atender à necessidade de controlar a sua taxa de progressão de forma a que o número de infetados e, portanto, a sua fração de casos graves fosse sempre manejável. Daí o tão falado achatamento da curva. Mas sabe-se bem que achatar uma curva significa é descer a altura do pico, alargando o intervalo da curva. No resultado total, é praticamente idêntico o número de casos, mas espalhados por um tempo maior (curva C). Sendo igual o número de casos, também é igual a imunidade de grupo, embora adquirida mais lentamente.
Entretanto, parecendo impossível manter durante tanto tempo as medidas de distanciamento social necessárias, e por pressões de todos os tipos a exigir sempre mais numa lógica de “nada é de mais para combater a epidemia”, a generalidade dos países, continuando a falar de achatamento da curva, ou de mitigação, o que tentaram fazer, de facto, foi outra coisa com implicações diferentes, a supressão (curva B). Reduzindo ao máximo a taxa de exposição, por distanciamento social, impediu-se a propagação em tempo curto, mas contra o equilíbrio dinâmico normal de qualquer epidemia. Note-se que, obviamente, não estou a dizer que não devia ter sido feito.
Como disse, a imunidade de grupo torna-se efetiva quando pelo menos 60% da população teve contacto com o vírus e criou anticorpos neutralizantes do vírus, mas esse estado imunitário depende do tipo e duração da resposta de produção de anticorpos, que ainda não se conhece no caso do SARS-CoV-2.
Vejamos o caso português. Admitamos, claro que grosseiramente, que estamos sensivelmente a meio da curva, com cerca de 22000 casos e que ela será simétrica. Avancemos com um número total à volta de 44000. O número de assintomáticos é de cerca de 85%, donde podemos admitir que tenha havido 290 000 infetados. No entanto, o número de casos identificados pode pecar por defeito, por insuficiência de testes. Contemos com um fator 10, apesar de arbitrário e muito pouco provável. Mesmo assim, só 27% da população estaria imune, percentagem insuficiente para a imunidade de grupo. Note-se que este “coeficiente de incerteza” tem muito de especulativo. Só o conhecimento por estudo serológico do número real de infetados esclarecerá esta dúvida. Mesmo a China e a Coreia do Sul só agora estão a proceder a rastreios serológicos significativos, apesar de serem os países em que os dados virológicos ou clínicos já são praticamente definitivos, a permitir comparações com os serológicos,
A consequência da supressão sem imunidade de grupo e sem vacina é a probabilidade de regresso da epidemia. Sem imunidade de grupo e sem vacina, é muito difícil impedir que a quantidade residual de vírus ainda em circulação (assintomáticos, eventuais infeções persistentes, novos casos importados), mais fatores possíveis de sazonalidade e a dessincronização da pandemia nos vários continentes nos mantenham com o problema resolvido. Para que tal não aconteça, o alívio vai ter de ser muito bem planeado e acompanhado.
As medidas de supressão, ou de bloqueio (“lockdown”) constituíram uma espécie de fogo de barragem, uma mistura complexa de medidas relativamente independentes umas das outras. Como não se pode baixar em paralelo o nível de todas as medidas, será preciso ter ideia de qual o impacto específico de cada medida.
O que é menos arriscado? Abrir escolas ou abrir o pequeno comércio de rua? E abrir escolas para crianças ou para jovens ou universitários? Permitir passeios sem se formarem grupos? Retoma de trabalho com um mínimo de distância e contacto com os colegas? Etc.
Muito provavelmente, vai ser necessário fazer navegação à vista; aliviar, esperar duas semanas, observar os números, aliviar mais ou recuar. Neste processo, há o risco de, a cada oscilação, nos defrontarmos com mais mortes a servirem de alerta. Podemos ter diminuído nesta primeira fase o número de mortes mas ter de continuar a assistir a elas, e sem podermos prever o número, neste processo em que elas serão um critério essencial de monitorização.
É este processo que um estudo da Escola de Saúde Pública T. H. Chan da Universidade de Harvard (Kissler et al., “Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the postpandemic period”) propõe, mas com muiytas dificuldades de levar à prática: uma série de períodos de distanciamento social alternando com períodos de normalidade e havendo um número mínimo e máximo de mortes que serviria de interruptor em cada período. Se se conseguisse uma redução do R0 de 60% e se não houver efeitos sazonais, o estudo prevê que seis períodos desses até julho de 2021, com duração média de duas semanas, resultem em imunidade de grupo de cerca de 60% da população americana até julho de 2022.
Critérios de alívio
A preocupação com os cuidados a ter no alívio é manifesta nas recomendações gerais da OMS e da Comissão Europeia. Para a OMS, a saída da fase de bloqueio deve obedecer às seguintes condições:
- “primeiro, que a transmissão esteja controlada;
- segundo, que haja capacidade do sistema de saúde para detectar, testar, isolar e tratar todos os casos e rastrear todos os contactos;
- terceiro, que os riscos de surtos sejam minimizados em contextos especiais, como unidades de saúde e lares de idosos;
- quarto, que se estabeleçam medidas preventivas em locais de trabalho, escolas e outros lugares onde seja essencial que as pessoas permaneçam;
- quinto, que possam ser geridos os riscos de importação;
- e sexto, que as comunidades sejam inteiramente educadas, comprometidas e capacitadas para se ajustarem à “nova norma”.
As recomendações da Comissão Europeia (CE) – “Joint European Roadmap towards lifting COVID-19 containment measures” – não se afastam muito disto. Começam por enfatizar que o regresso à normalidade será muito longo e que é necessária uma avaliação contínua sobre se as medidas ainda são proporcionais ao conhecimento que se vai adquirindo sobre o vírus e a doença. Acentua-se também a necessária gradualidade e a especificidade de cada país. É uma prevenção duplamente necessária porque a CE é campeã da uniformização, assim como muitos estados membros são contumazes em seguimento acrítico dessa uniformidade. A própria opinião pública dos países da UE, Portugal incluído, bem como os interesses económicos, podem usar ilegitimamente o argumento da imitação do “que se faz lá fora”. Viu-se na imposição das medidas, pode-se ver no seu alívio.
Os critérios estabelecidos pela CE para se decidir o alívio das medidas são três, concordantes parcialmente com os da OMS:
- critérios epidemiológicos que mostrem que a disseminação do vírus está diminuída significativamente e estabilizada durante um período de tempo sustentado;
- capacidade dos sistemas de saúde para lidar com eventuais novos surtos, no que respeita a camas hospitalares, de cuidados intensivos, equipamento, disponibilidade para acesso imediato a cuidados por parte dos grupos de risco, retaguarda de unidades de cuidados básicos. A recuperação dos serviços de saúde, passada esta primeira fase, deve ser vista globalmente e não apenas no que respeita à COVID-19;
- e capacidade de monitorização, incluindo a capacidade de testagem em larga escala. Também, a seguir, a caracterização da situação serológica da população para avaliação da sua imunidade, tendo em conta o que se vier a saber sobre a aquisição de imunidade no caso particular deste vírus.
Destes critérios, o primeiro é o de mais difícil objetivação. Como avaliar o decréscimo significativo da epidemia? Que taxa de variação de novos casos ou que valor de R0? À escala nacional ou por regiões? Tendo em conta só o número de novos casos ou também o de mortes? E o que se deve entender por “um período de tempo sustentado”?
Pode ser difícil compatibilizar os objetivos sanitários e os políticos. Por exemplo, o “roadmap” da Comissão Europeia dá prioridade à retomada das atividades que mais afetam a vida das pessoas. É muito compreensível, mas não será obrigatoriamente coincidente com os critérios epidemiológicos. Da mesma forma, em Portugal, a questão da reabertura de escolas. Contra todas as indicações técnicas que atribuem menor risco à reabertura das escolas básicas, a provável prioridade anunciada ao ensino secundário parece ter muito mais a ver com razões políticas, relacionadas com o acesso aso ensino superior.
A questão da importância das escolas na epidemia COVID-19 tem suscitado muita discussão. Mesmo em Portugal, lembre-se que, num dia, o Conselho Nacional de Saúde Pública não considerou necessário nem útil o encerramento das escolas para, no dia seguinte o governo o decidir, porventura por pressões políticas.
As crianças, por razões ainda não esclarecidas, são menos suscetíveis à infeção e, ao que parece, não são transmissores assintomáticos relevantes. No entanto, estes dados ainda não são aceites consensualmente. Por outro lado, as crianças têm um potencial grande de propagação da infeção a outros grupos etários, com quem convivem estreitamente. Em relação aos idosos, por exemplo os avós, é preciso pesar os dois fatores: estando na escola, as crianças estão em menor contacto com os avós. Mas, estando na escola, estão mais em contacto com outras crianças que possam estar infetadas e depois transmitir a infeção aos avós.
Os critérios para o alívio, tanto da OMS quanto da CE, partem do facto consensual de que mesmo depois do aparente controlo do primeiro e atual surto epidémico, o vírus não vai desaparecer. Continuará circulando até à disponibilização de uma vacina. Demorará dois a três semestres e durante todo este tempo, teremos de conviver com um vírus que “está à espreita” de nova oportunidade. Não se pense que o alívio de medidas que agora se prevê significa, a breve trecho, um regresso à normalidade a que estávamos habituados. Vai ser necessária uma monitorização constante e a montagem de um sistema de alerta e emergência que permita, a qualquer momento, o recuo no alívio de uma ou outra medida, ou mesmo de um conjunto delas.
Duas condições necessárias para isto são um sistema de vigilância epidemiológica muito atempado e eficaz; e, correlacionado, um programa intensivo de testagem de casos suspeitos e de identificação dos seus contactos, para isolamento e contenção de novos focos e cadeias de transmissão.
A reaparição do vírus numa segunda vaga pandémica não é novidade, ocorrendo com outro vírus, o da gripe – ressalvando-se o risco da comparação entre epidemias diferentes. A pandemia de 1918, da espanhola, teve uma segunda vaga mais mortífera do que a primeira e o quadro de duas vagas ocorreu também em pandemias gripais posteriores.
Mesmo neste caso da COVID-19 já há o exemplo de recrudescimento em Singapura. A situação estava controlada em meados de março mas subitamente a taxa de progressão, que se mantinha em cerca de 0,03, passa para a casa de 0,1 a 0,2. Tudo por um foco circunscrito mas de dimensão apreciável, num dormitório de trabalhadores imigrados, sem condições de isolamento pessoal e com pouca higiene. Mesmo na China, apresar de a situação estar controlada na província de Hubei (capital Wuhan), tem havido novos pequenos focos em outras províncias.
A monitorização vai olhar principalmente para o número de novos casos diários e, paralelamente, de mortes, embora este segundo indicador esteja sempre em atraso. Uma monitorização mais fina é a do cálculo diário do R0, ou melhor, do número reprodutivo efetivo, Rt. Não se sabe qual vai ser o valor a ser tomado como limiar de segurança para alívio das medidas em Portugal, sendo que, neste momento, o seu valor ainda está muito próximo de 1. Em outros países, o alívio está marcado por um valor de Rt próximo de 0,7. Relaxar medidas vai normalmente causar um aumento transitório do Rt mas é de temer, como já se está a ver na República Checa (segundo informações que não pude confirmar) um salto para valores próximos de 0,9, perigosamente junto ao limiar crítico de 1,0.
Uma simulação encomendada pelo governo dinamarquês para avaliação do impacto da remoção de medidas de bloqueio indica que um alívio geral resultando numa taxa de contacto de 50% da normal resulta no aumento do R0 de 0,72 [IC95 de 0,57::1.02] para 0,91 [0,63::1,312]. A adição de mais alívios, nomeadamente a abertura de restaurantes, de atividades liberais, de tribunais e outros serviços públicos, poderia levar o R0 até ao valor crítico de 1,00. Mais uma vez, as simulações não são certezas, mas podem dar indicações genéricas em relação a riscos a prevenir.
A outra forma de monitorização de que se tem ouvido falar muito baseia-se na serologia. É opinião interessada de quem está a desenvolver esses testes em Portugal, mas não me parece ter valor prático. Evidentemente, é muito importante conhecer a situação da imunidade em Portugal, mas, ainda durante provavelmente bastante tempo, ela será sempre demasiado baixa para que se possa aliviar medidas com base numa hipotética situação de progressão para imunidade de grupo. Mesmo assim, há uma informação – muito importante para a modelação epidemiológica – que pode ser fornecida pelos estudos serológicos: o número efetivo de infetados, certamente muito superior aos casos identificados.
Modelos para o alívio
Os modelos serviram de muito pouco para fundamentar as medidas de bloqueio e provavelmente se vai passar o mesmo com o seu alívio, como o referido modelo dinamarquês. Alguns modelos falharam quando testados com os valores reais. Por exemplo, um modelo previsional do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) da Universidade de Washington previa para estes dias, 20, 21 e 22 de abril, um número já residual de mortes em Portugal, de, respetivamente, 6 (intervalo de confiança, 95%, 1-24), 5 (1-19) e 4 (1-14), quando os valores reais foram 21, 27 e 23. Os modelos funcionam como caixas negras; o que sai depende do que se lhes põe dentro, sem que nos apercebamos do processo interno.
Para a adoção de medidas, o modelo que parece ter tido alguma importância foi o do Imperial College. Previa o número assustador de 510.000 mortes no Reino Unido na hipótese de nenhuma intervenção, reduzindo-se este número em grau diferente consoante vários cenários: isolamento de doentes e quarentena dos contactos, encerramento das escolas, distanciamento social dos maiores de 70 anos e distanciamento social geral, com redução de 75% dos contactos sociais. O estudo concluiu que o simples encerramento de escolas tem um efeito negligível (2-4% de redução do número de mortes) mas que o conjunto das outras medidas pode ter um efeito significativo na redução dos internamentos hospitalares a um nível compatível com a capacidade do sistema de saúde.
Num estudo seguinte, alargado a 202 países, os dados para Portugal eram também de enorme dimensão, que nunca poderá ser comprovada, evidentemente, mas que levanta justificadamente dúvidas sobre a validade do modelo: previsão, sem intervenção, de mais de oito milhões de infetados (impossibilidade teórica, por ultrapassar largamente a percentagem para imunidade de grupo) e de quase 96000 mortes.
Mesmo que se tomem por válidos estes estudos de modelação, fica uma questão importante por resolver. O que significa, na prática, uma redução de 75% da taxa de contacto? Na prática, quero dizer: que fração da população deve ficar em casa, que comércios e serviços devem encerrar, qual o número máximo de pessoas em ajuntamentos, etc., para se conseguir esse grau d eredução da taxa de contacto?
Isto implica uma segunda ordem de modelos, de contacto social. Para o referido segundo estudo do Imperial College, dada a diversidade dos países estudados, os autores tiveram de recorrer a dados específicos, mas muito gerais e fracionados. O estudo mais abrangente sobre a Europa (J. Mossong et al.) não inclui Portugal.
As medidas de bloqueio abrangem individualizadamente uma enorme gama de casos, atividades e acontecimentos: escolas básicas e escolas secundárias e superiores; transportes; ajuntamentos; comércio; lares de idosos; restaurantes; bares e discotecas; trabalho; doentes e contactos; unidades de saúde e seu pessoal; viagens internacionais. Teria sido necessário saber qual o impacto seletivo das medidas relativas a cada uma. Agora, para programar o alívio das medidas, ainda talvez seja ,mais importante, porque são grandes os riscos de atuações menos racionais.
Procurei estudos sobre o padrão de contacto social em Portugal. Provavelmente por minha falha, não encontrei nada de suficientemente geral. Se de facto há esta lacuna de conhecimento, parece-me necessário corrigi-la. A comunidade científica tem estado muito mobilizada nesta epidemia, principalmente no que respeita à produção de kits para diagnóstico. Também há lugar para os investigadores em ciências sociais, em particular da demografia, da geografia, da sociologia. Pode já não vir agora a tempo a caracterização de Portugal em relação aos parâmetros sociais da modelação epidemiológica mas, infelizmente, esta não será a nossa última epidemia. Nem talvez a única onda desta epidemia.
Entre muita coisa – admito que eu é que não conheça estudos já feitos – é preciso conhecer, com aplicabilidade direta, a estrutura das famílias portuguesas, por unidades geográficas, a sua mobilidade interna e interfamílias, os padrões de vida, mobilidade e sociabilidade dos idosos, as compras, a densidade de pessoas das diversas ocupações de lazeres, o tipo de espaços de trabalho e a taxa de contacto entre colegas de trabalho, a dimensão e duração média das reuniões, a frequência de serviços com muita proximidade física (cabeleireiros, consultas médicas, tratamentos dentários, serviços funerários, etc.). Repito: quero até crer – ou desejar – que tudo isto está estudado. Mas não faz mal deixar aqui a preocupação.