Benchmarking: uma experiência a introduzirão ensino superior português

João Vasconcelos Costa

Há muito que me interesso pelas potencialidades do benchmarking (intraduzível!) como instrumento de melhoria da qualidade do ensino superior, tanto a nível sistémico como institucional e como forma de nos encaminharmos para um consenso sobre padrões de qualidade (uma falta notória nas nossas instituições), bem como um instrumento essencial para a clarificação do sistema binário e para a elaboração de indicadores de avaliação. Em muito pequena escala e artesanal, a que me era possível, tentei usá-lo para aspectos específicos e pontuais de reorganização de actividades, quando tive funções directivas.

Benchmarking é uma técnica já com dez anos para optimização das empresas e instituições num mercado competitivo. Essencialmente, é um processo comparativo de identificação, compreensão e adaptação de boas práticas de outras empresas consideradas como as melhores, com a finalidade de introduzir melhorias na organização e tentar levá-la ao nível daquelas concorrentes.

O essencial do benchmarking é a definição de descritores, indicadores e processos de boas práticas. Neste sentido, para além das empresas, pode aplicar-se com grande sucesso à melhoria dos “produtos” das instituições de ensino superior, à sua organização e gestão e às suas práticas. Por princípio, o benchmarking é um processo comparativo em relação às melhores instituições, descrevendo para a instituição em causa as suas “performances” em relação aos competidores e aos seus padrões de qualidade e adaptando os melhores padrões da concorrência a si própria. Mas, no caso do ensino superior, as boas práticas das melhores instituições já estão estabelecidas internacionalmente como padrões de qualidade, são conhecidas de muitos professores e podem ser usados como referenciais comparativos, sem o processo de investigação dos concorrentes. 

É certo que a generalidade das propostas de novos cursos inclui os seus objectivos, mas, ao que conheço (com algumas excepções), normalmente não sob a forma de descritores comparativos com outros programas considerados como de alta qualidade e inovadores, segundo a técnica do “benchmarking”. Menos ainda, o benchmarking não é usado, que eu saiba, para os outros aspectos da actividade das instituições, como a governação, a gestão, a investigação ou os serviços ao exterior. Conheço também casos em que os cursos são organizados tradicionalmente e só a posteriori é que é acrescentada uma lista de descritores, quase como um sumário, quando o processo deve ser o inverso. Também o suplemento de diploma (praticamente ainda não em uso) é só uma descrição a posteriori. Em qualquer dos casos, faltam o elemento comparativo e os padrões de qualidade, que são a base do benchmarking.

O calendário do debate sobre o ensino superior está a ser marcado pelo ministério, centrado á volta da nova legislação. Questões fundamentais, e que estão subjacentes à legislação, tais como as características dos diversos graus, a distinção entre os subsistemas, os objectivos dos cursos em competências e aquisição de “know how” e conhecimentos, o balanço entre a formação científica e a formação técnica, a reconversão pedagógica, correm o risco de ficarem desvalorizadas. A elaboração sistemática de descritores e de benchmarks, a todos os níveis, é um exercício que ajuda grandemente a uma reflexão, institucional e nacional, sobre estas questões. 

Isto é tanto mais importante quanto o conteúdo das formações está a passar por novas exigências, nesta acelerada mutação social, na organização do trabalho e nas exigências da empregabilidade quanto à formação dos quadros superiores. O nosso ensino ainda é essencialmente baseado na transmissão de conhecimentos e na ênfase nos métodos tradicionais de ensino. Muitas reestruturações recentes de cursos (com assinaláveis excepções) ou a criação de novos cursos mantêm esta filosofia tradicional. Esquecem a necessidade de duas mudanças fundamentais:

a) o que se mede à entrada no mercado de trabalho são mais aptidões que informações. O que o mundo do trabalho pede à formação universitária é a mentalidade científica e de rigor, a capacidade de raciocínio e de análise, a imaginação criadora, a capacidade de continuar aprendendo, a adaptação crítica a novas situações, a liderança e a capacidade de condução de processos sociais, o domínio das novas tecnologias da informação e, cada vez mais na era da globalização, a capacidade de comunicação e o domínio de línguas. Pode-se dizer como fórmula que se pede cada vez mais pessoas educadas que pessoas instruídas.

b) a pedagogia do ensino superior tem vindo a progredir imensamente, com novos conceitos e novos métodos. O estudante como sujeito passivo do ensino é hoje substituído pelo sujeito activo da aprendizagem. Ele procura activamente a informação complementar ou a que é necessária para a resolução de problemas concretos, estruturando racionalmente os conhecimentos que vai adquirindo, entrelaçando o que lhe é transmitido com o que ele próprio procura. Com isto, o ensino passa obrigatoriamente a ser mais do que transmissão de conhecimento. É também o facultar de processos e ferramentas para esse papel activo do estudante. Em síntese, a atenção principal na acção educativa transfere-se, em grande parte, do ensino para a aprendizagem. Mudou com isto o papel do professor. Mais do que transmissor de conhecimento, é um facilitador da aprendizagem.

Estas mudanças implicam novos referenciais e padrões de qualidade. O benchmarking é um instrumento de grande utilidade para esta mudança.

O benchmarking como instrumento de boa gestão

O benchmarking, apesar de recente, é hoje uma prática de grande credibilidade e considerada como muito útil. Só nos EUA, a lista das empresas de topo que foram pioneiras e recorrem sistematicamente ao benchmarking fala por si: Xerox, Banco da América, TRW, American Express, Exército, Dana, Department of Veteran Affairs, Eastman Kodak, DynMcDermot, Aramco, para só falar nas “dez mais” (The Benchmarking Exchange, 2003). A Ford e a IBM são também exemplos de empresas que admitem terem obtido resultados impressionantes com o benchmarking. O benchmarking pode ser estabelecido para qualquer tipo de processo produtivo, organizacional ou administrativo e a qualquer nível da empresa, em qualquer área funcional.

Uma das razões do benchmarking, em que o aperfeiçoamento da empresa é feito por referência aos exemplos das empresas bem sucedidas, é que, nas actuais exigências de competitividade, o aperfeiçoamento da empresa ultrapassa geralmente os seus quadros, presos aos seus próprios paradigmas. Pelo contrário, como se disse, “o benchmarking implica olhar para fora, para examinar como é que os outros conseguem os seus níveis de desempenho e compreender os processos que eles usam. Neste sentido, o benchmarking ajuda a explicar o que está por detrás da excelência. Quando as lições extraídas de um exercício de benchmarking são aplicadas devidamente, facilitam a melhoria do desempenho em funções críticas de uma organização ou em áreas chave do ambiente empresarial” (O’Reagain e Keegan, “Benchmark Explained”, in “Benchmarking in Europe – Working Together to Build Competitiveness”, UE, 2000).

Há vários tipos de benchmarking (mesmos autores). A nível das empresas, ele pode começar (com menos custos mas menor eficácia), por ser interno, comparando os vários sectores da empresa. Pode ainda ser mais restrito, como benchmarking funcional, se dirigido apenas a uma função específica da empresa. Pode ser externo, que é o caso paradigmático, quando a comparação é feita com empresas líder (que nem têm que ser do mesmo ramo de actividade) ou competitivo, quando feito com empresas do mesmo ramo, o que nem sempre é fácil, porque os competidores não revelam facilmente os seus dados. Pode ser genérico, envolvendo aspectos da actividade que normalmente transversais e comuns a tipos variados de empresas ou, pelo contrário, pode ser sectorial, quando visa não o aperfeiçoamento de uma empresa em particular mas de todo um sector definido da actividade: é o que se passa, como veremos, com alguns benchmarkings do ensino superior.

O benchmarking envolve diversas fases sequenciais, cada uma com os seus métodos e regras (O’Reagain e Keegan, art. cit.): 
i. a colheita e avaliação própria dos dados internos, tentando identificar as lacunas e deficiências e detectar os factores que estão na origem de desempenhos fracos, feita primeiro numa base sectorial diagnóstica e depois numa perspectiva holística; 
ii. a colheita de dados externos, por diversas formas, desde a consulta de bases de dados e relatórios até ao contacto com as empresas de referência (em muitos casos, as empresas formam parcerias para entre si estabelecerem as comparações que lhes permitem o benchmarking, num processo colaborativo de interesse comum); 
iii. a análise das informações, estudando a importância das diferenças entre a prática da empresa e as dos casos externos estudados e estabelecendo um modelo referencial para a melhor prática; 
iv. o desenvolvimento de um plano de acção, quantitativo e qualitativo, de práticas e métricas, que, analisando as deficiências internas e hierarquizando-as em relação à importância dos resultados da comparação, adopte um novo quadro de actividade e treine nele o seu pessoal.

Mas o benchmarking não se fica por aqui. Uma das suas características essenciais é a exigência de continuidade. Uma vez conseguida uma posição de excelência, a situação vai evoluindo, os competidores também e é necessário à empresa a aplicação contínua do benchmarking para manter a sua posição concorrencial.

Os resultados de um exercício de benchmarking bem executado e bem sucedido são relevantes a vários títulos: incorporação de forma criativa das melhores práticas de qualquer actividade; motivação dos profissionais envolvidos e criação de um espírito de abertura a novas ideias e á mudança, identificação de novos processos tecnológicos de outros ramos de indústrias e sua incorporação na empresa e em outras do mesmo sector, estabelecimento de contactos entre os membros das equipas de benchmarking que promovem a colaboração futura, etc.

Em meios geralmente facilitistas como o nosso, e sem que o ensino superior escape a isso, é necessário ter presente que o benchmarking é exigente e consideravelmente consumidor de recursos humanos e financeiros. Ele não é um acontecimento isolado, não é um simples processo de cópia, não é rápido nem fácil. Pelo contrário, tem que ser, como já se disse, um processo contínuo, é um processo de aprendizagem, e é um trabalho intensivo e consumidor de tempo, que tem que ser bem estudado.

Um tipo particular de benchmarking, cada vez mais frequente, como elemento da “nova gestão pública”, é o benchmarking governamental, promovido, por exemplo, pela União Europeia e caracterizado pela comparação da eficiência das várias políticas, entre diversos países, com ênfase nas condições estruturais e infraestruturais (“framework conditions”), na diminuição de custos e desperdícios, na rendibilização do funcionalismo e na satisfação dos utentes. Neste sentido, se aplicado a sectores definidos da actividade pública, aproxima-se nos princípios e métodos do benchmarking sectorial. Este caso mostra como o benchmarking está a evoluir alastrando do nível empresarial inicial a outras situações culturais e organizacionais, como universidades, hospitais e toda uma variedade de serviços públicos. Por isto, as iniciativas de benchmarking tendem a ter actores diferentes. No benchmarking tradicional o foco está na empresa individual, passando para as associações empresariais no benchmarking sectorial. No caso do benchmarking público e na análise das “framework conditions”, o papel motor é dos governos ou dos seus organismos.

O benchmarking no ensino superior

Só mais recentemente é que o “benchmarking” foi transposto para o ensino superior. Quando antes se faziam declarações vagas e “redondas” sobre os variados aspectos da sua actividade (métodos de governação, objectivos educacionais e de investigação, competências e conhecimentos a conferir por cada curso, etc.), o método de “benchmarking”, com os seus descritores concretos e os seus elementos comparativos e competitivos, torna mais claros e legíveis, qualitativa e quantitativamente, os métodos, objectivos e “produtos” da universidade. Os descritores são também um exercício prévio e útil para a elaboração dos códigos de boas práticas, que são normas de conduta e de valores mais avançadas, mais instrutivas e melhores caracterizadoras da cultura e qualidade institucionais e do seu lugar competitivo. A seu tempo, escreveremos sobre eles.

O benchmarking está vulgarizado nas universidades americanas, quer como benchmarking interno quer como benchmark externo e competitivo. A Europa está em atraso, embora já haja projectos piloto em curso em diversos países, como a Alemanha, o Reino Unido e os países escandinavos. De certa forma, este processo articula-se com o processo de Bolonha, no espírito do aumento de qualidade e competitividade do espaço europeu do ensino superior. Mas não se circunscreve ao contexto politico internacional. Reflecte também a crescente competição entre as instituições de ensino (lembre-se a educação transnacional) e a necessidade premente que têm de melhores práticas e desempenho de excelência.

Recentemente, a ENQA (European Network for Quality Assurance in Higher Education) publicou um relatório de K. Hämaäläinen e outros, “Benchmarking in the improvement of higher education”, sobre um workshop realizado em 2002 na Finlândia. O relatório da ENQA discute aspectos de princípio e de método do benchmarking aplicado ao ensino superior e descreve algumas experiências em curso de “benchmarking” no norte da Europa e no Reino Unido. 

Os casos descritos no referido artigo da ENQA diferem substancialmente e por isso são instrutivos como experiências piloto, uma vez analisados os seus resultados. O primeiro caso é o da Universidade de Oulu, na Finlândia. Os principais objectivos do benchmarking foram a internacionalização dos currículos segundo os melhores padrões e a promoção da cooperação entre parceiros internacionais. Neste sentido, cada departamento da universidade escolheu um parceiro estrangeiro que considerou de topo de categoria e com ele procedeu ao processo comparativo do benchmarking, na forma tradicional do benchmarking externo das empresas.

O segundo exemplo, diferentemente, é temático e semi-sectorial: é o da EVA, a agência dinamarquesa de avaliação, que faz o benchmarking do ensino das ciências agrárias em quatro países europeus (Dinamarca, Holanda, Alemanha e Irlanda). O exercício tem duas finalidades principais: desenvolver um quadro comum para avaliações internacionais comparativas e fornecer aos participantes informação significativa sobre a qualidade dos seus programas de “bachelor”. O programa foca-se nas competências nucleares, nos mecanismos de garantia da qualidade e na internacionalização, com ênfase no processo de Bolonha.

O relatório da Escola de Gestão de Copenhaga descreve diversas experiências de benchmarking tanto interno como externo em que estiveram envolvidos nos últimos anos e discute como o benchmarking se relaciona com as características de uma “learning organization”. Em resumo, salienta-se que o benchmarking é um mecanismo de auto-aprendizagem e de aprendizagem com os outros, que é uma aprendizagem com um objectivo prático e focado na qualidade, que é um processo contínuo de aperfeiçoamento pro-activo sistemático e que requer uma grande interacção (grupos de trabalho, workshops, seminários e conferências) dentro da comunidade institucional, incluindo os estudantes, e entre esta e os “stakeholders”.

Um exemplo interessante é o do Instituto Politécnico de Kymi, na Finlândia, porque é especificamente focado na orientação dos estudantes, entendida como “a ajuda ao estudante para fazer uso das redes nacionais e internacionais entre diferentes formas de educação, programas de graus e mercado do trabalho. Outro objectivo é promover a orientação do estudante na escolha de carreira, planos de estudo individuais, desenvolvimento profissional e colocação no mercado de trabalho, bem como a sua educação profissional contínua”.

Finalmente, o exemplo inglês, que não abordamos agora porque, pelo seu interesse para Portugal, merece uma discussão aprofundada, mais adiante.

Para além da referência às experiências concretas, as conclusões do workshop da ENQA merecem citação (ENQA, art. cit., p. 11), embora alguns aspectos já tenham sido abordados mais atrás neste artigo:
” 1. O benchmarking inclui um elemento de comparação, que é obtido por meio de decisões sobre pontos de referência comuns, tais como um conjunto de critérios comuns em relação aos quais os programas e as instituições são avaliados.
2. O benchmarking implica um forte elemento de aprendizagem e um compromisso para melhorar as práticas. Uma forma de fazer isto é estabelecer parcerias com vista a seleccionar aqueles com quem se pode aprender. O elemento de aprendizagem é importante em termos do compromisso e motivação para com o processo.
3. O benchmarking é um processo continuado e demorado que continua para além de o projecto específico ter sido concluído e visa uma aperfeiçoamento contínuo.
4. Para se obter o elemento de aprendizagem, a propriedade do processo é crucial. É importante garantir a propriedade interna do processo, independentemente de ele ter tido iniciativa interna ou externa”.
A quinta conclusão, por sinal muito longa, refere-se ao uso do benchmarking para efeitos de “ranking”. Não a discuto, porque discordo completamente que, quer a nível nacional quer internacional, se use o benchmarking para esse efeito.

A terminar esta discussão sobre o benchmarking no ensino superior, fica um problema crucial. O benchmarking é um processo que tendencialmente, pode levar à uniformização, embora essa uniformização seja evolutiva. Permite inovações, mas estas inovações, num processo de benchmarking contínuo, são rapidamente assimiladas por todo o sistema. Que lugar, portanto, para a diversidade, um valor essencial no ensino superior? Esta é uma preocupação que tem sido levantada frequentemente a propósito do projecto europeu “Tuning Educational Structures in Europe”, da UE, que procura, em algumas áreas disciplinares, comparar os sistemas de ensino e a sua adaptabilidade ao mercado de trabalho, mas que levanta suspeitas, provavelmente injustas, de pretender estabelecer currículos escolares comuns à escala europeia.

A competição faz-se cada vez mais pela qualidade (incluindo a empregabilidade) e esta tem padrões que tendem a ser consensuais e que ressaltam dos exercícios de benchmarking. Creio que, todavia, há lugar para a compatibilização de um consenso em torno de padrões de qualidade com a diversificação, tanto institucional como programática. Uma consequência inevitável é que haverá sempre instituições que só são capazes de atingir parcialmente os padrões mais elevados de qualidade e isto gera diferenças. É verdade que estas diferenças serão entre melhores e piores instituições, o que não é a diversidade que se pretende, embora isto seja inelutável. Mas pode haver padrões que respeitem a diversidade das instituições: padrões para instituições tipicamente de ensino e padrões para universidades de ciência; padrões para instituições de ensino académico e de ensino vocacional; padrões de governação e gestão centrados na eficiência mas permitindo soluções concretas adaptadas a cada circunstância nacional e cultural. Além disso, os referenciais resultantes do benchmarking são metas e, no caso dos cursos, indicam, entre outras coisas, os objectivos educacionais mas não programas concretos ou currículos comuns. A margem de escolha e de diversidade programática que fica para as instituições é enorme.

Citando o referido relatório (p. 21), “é vital ter em conta as condições específicas que caracterizam uma avaliação comparativa internacional. Em primeiro lugar, há diferenças consideráveis entre as culturas educacionais, as tradições nacionais e os sistemas de regulação que enquadram os programas individuais. Em segundo lugar, o objectivo de desenvolver uma metodologia para a avaliação comparativa internacional implica uma obrigação de assegurar que a formulação de critérios é suficientemente flexível para que possam aplicar-se em outras avaliações programáticas numa perspectiva comparativa. Em terceiro lugar, a variabilidade nos conteúdos dos programas representa um desafio ao desenvolvimento de critérios comuns que deixem espaço para a expressão das prioridades e qualidades individuais”.

O caso inglês e o seu interesse para Portugal

Não se exclui que qualquer instituição portuguesa queira ter a iniciativa de um processo de benchmarking externo, de tipo empresarial, mas duvido que tenham os meios financeiros e principalmente os recursos humanos necessários para esse exercício, a menos que recorram aos serviços de uma empresa de consultoria, o que ainda aumentaria os custos.

Uma solução praticável é a de se definirem benchmarks programáticos, de âmbito nacional, numa aproximação ao benchmarking sectorial, embora atípica, como se fez no Reino Unido.

O processo de benchmarking no Reino Unido teve duas fases: a definição de um quadro de qualificações (“national framework of qualifications”) com descritores de realizações (“achievements”) finais exigíveis para cada grau (no seu sistema unitário) e, a seguir, inseridos nesse quadro, exercícios sectoriais de benchmarking. A proposta inicial já vem do relatório Dearing, que reconhece que “é necessário desenvolver práticas de garantia de qualidade permitindo a diversidade, mas evitando que essa diversidade seja uma desculpa para padrões baixos e para qualidade inaceitável”. () “O sistema de avaliação por peritos externos não pode garantir, só por si, a comparabilidade de padrões em todo um sistema massivo de ensino superior. É importante um quadro de qualificações suficientemente largo para cobrir toda a gama de realizações pessoais, consistente na terminologia e bem compreendido dentro e fora do ensino superior”.

Este quadro de qualificações foi aprovado em 2000 e, de forma muito simples mas clara e inteligível, define, para cada grau, não os conhecimentos mas os “outcomes” que os alunos devem demonstrar no final, as aptidões que devem ter adquirido, o volume de aprendizagem e os créditos, bem como os requisitos mínimos de avaliação.

Este é um primeiro ponto de aproximação à situação portuguesa, mais complicada ainda pelo seu sistema binário e pela falta de clareza do significado dos graus, intra e inter subsistemas. Neste sentido, ao que sei, o primeiro exercício deste tipo no ensino superior português, com identificação pormenorizada de descritores de qualificação, é a descrição distintiva dos graus e do ensino politécnico constantes do documento “Parecer do CCISP”, em resposta ao inquérito do MCES, e da autoria do Prof. Luís Soares, ao que julgo adaptado de um exercício semelhante do Inspectorado para o Ensino Superior da Holanda. Só é pena que este exercício do CCISP não inclua o ensino universitário, o que urge fazer. 

Voltando ao relatório Dearing, e passando ao tema dos programas (cursos), refere-se que “as instituições devem ser mais explícitas e acessíveis publicamente acerca dos padrões (“standards”) dos seus cursos. Para isso, devem estabelecer-se termos de comparação, sob a forma de benchmarks, desenvolvidos principalmente por grupos académicos mas com a colaboração das associações científicas e das organizações profissionais. Esta informação de benchmark pode ser usada pelas instituições no processo de criação de cursos e como indicadores de referência dos avaliadores”. O relatório recomenda também o benchmarking para a investigação e para a governação e gestão.

Também em Portugal, os indicadores de referência para a avaliação são insuficientemente objectivos e inequívocos. Falta uma listagem coerente de indicadores de “performance” para a avaliação, tanto institucional (governação e gestão, capacidade de definição estratégica, mecanismos de garantia da qualidade, etc.) como programática (cursos). Neste sentido, refira-se a proposta do Prof. Machado dos Santos, no livro “Ensino superior: uma visão para a próxima década”, para que se definam indicadores de desempenho objectivos, tanto para efeitos de avaliação como de financiamento. 

Como se disse, o processo de benchmarking no Reino Unido, que já abrange declarações de benchmarking (“benchmarking statements”) para 45 áreas programáticas, é relativamente atípico. É uma mistura de benchmarking público e de benchmarking sectorial, erradamente considerado por vezes como benchmarking interno (ver acima os tipos de benchmarking). Para cada área, a Agência de Garantia de Qualidade para o Ensino Superior constituiu pequenos grupos de especialistas que, após consultas às instituições e comparação das suas práticas e tendo em conta padrões internacionais de excelência bem conhecidos, elaboraram os padrões sectoriais, a dois níveis: o nível desejável de excelência e o limiar mínimo abaixo do qual não se justifica a acreditação do curso. Os padrões estão classificados no que se refere a conhecimentos (nomeadamente a “largura de banda” e a profundidade), a aptidões específicas, a aptidões genéricas transversais (“key skills”), a competências intelectuais, aptidões práticas, domínio da numeracia, comunicação e tecnologia da informação, aptidões interpessoais, capacidade de aprendizagem contínua, etc. Incluem também normas de boa prática sobre o ensino, a aprendizagem e a avaliação.

Novamente, isto é do maior interesse para nós. Como se disse, a maioria dos nossos cursos são convencionais e não obedecem a estes princípios e critérios usados pelos ingleses nos seus benchmarks: ênfase na aprendizagem e na aquisição de competências.

A consulta às diversas declarações de benchmarking mostra bem que não se trata de criar currículos nacionais, mas sim padrões de qualidade, inspirados pela prática das melhores instituições inglesas e pelo conhecimento dos grupos de trabalho das características de excelência das melhores instituições estrangeiras. As declarações permitem uma grande diversidade de soluções concretas para a organização curricular e experiências inovadoras, dentro de limites aceites pelas comunidades de cada programa.

Sendo um processo de âmbito nacional, embora com referência a padrões internacionais, permite o ajustamento às condições concretas de cultura, tradição e organização dos sistemas de ensino superior, mas, pela sua generalidade e natureza não impositiva, apenas orientadora e referencial, permite a preservação da diversidade. Além disso, é um processo relativamente simples, rápido e barato, o que se adequa às nossas condições.

Conforme o relatório da ENQA, “a tarefa de um grupo de benchmarking é produzir declarações amplas que representem as expectativas gerais sobre os padrões e exigências para a concessão do primeiro grau (seguir-se-á uma fase para os mestrados) em cada disciplina. O benchmarking não visa a listagem de conhecimentos específicos (que é matéria da organização curricular de cada curso por cada instituição) mas sim ser um instrumento de ajuda para o projecto de programas específicos e individuais. É um quadro conceptual que dá:
– a coerência e identidade das disciplinas, a alto nível de qualidade; 
– a capacidade intelectual e de compreensão que devem ser desenvolvidas obrigatoriamente durante os estudos da disciplina;
– as técnicas e competências que estão associadas ao desenvolvimento da compreensão na disciplina;
– e o nível de exigência intelectual e desafio adequados à concessão do grau numa disciplina”.

Com esta natureza e conteúdo, um trabalho deste tipo é multi-usos: 
– ajuda as instituições a organizarem cursos com objectivos educacionais modernos e ajustados às novas condições sociais, deixando-lhes a liberdade de definirem os currículos adequados a esses objectivos;
– ajuda à comparabilidade internacional do ensino;
– permite uma base uniforme e não subjectiva ou arbitrária para o processo de acreditação ou aprovação dos cursos;
– permite a elaboração objectiva de indicadores de qualidade para a avaliação;
– dá maior clareza e capacidade de compreensão à informação pública, quer dos candidatos a estudantes quer dos empregadores.
– promove a competição mas também a colaboração entre instituições.

Conclusão

Não havendo em Portugal um quadro referencial de padrões de qualidade, mas apenas experiências avulsas de certas escolas na criação ou reorganização dos seus cursos e não tendo a avaliação contribuído de forma significativa e clara para a percepção da qualidade do ensino superior em Portugal, julgo que se deve proceder urgentemente ao benchmarking do ensino superior português.

Não se parte do zero. As referidas experiências, os relatórios de auto-avaliação e de avaliação, mesmo com as suas avaliações, e, no plano institucional, as avaliações já feitas pela CRE, são instrumentos de partida muito úteis.

Tal como na Inglaterra e na Holanda, o processo deve ser precedido da elaboração de um quadro de qualificações, com descritores claros para a definição dos objectivos e requisitos de concessão de cada tipo de grau (licenciatura, mestrado e doutoramento) em cada um dos subsistemas, o que contribuirá para desfazer as confusões entre universidades e politécnico.

As instituições são livres de proceder a benchmarking interno, comparando os seus próprios programas e outros parâmetros de actividade. São também livres de iniciar os seus próprios processos de benchmarking convencional (externo ou competitivo), mas duvido que possuam o tempo, recursos financeiros e meios humanos para esse exercício.

Por isto, defendo que o MCES tenha a iniciativa de promover um benchmarking sectorial, inspirado no modelo inglês (erradamente chamado de benchmarking interno). A iniciativa seria do Ministério ou de um dos seus organismos, mas o trabalho seria realizado por grupos de peritos disciplinares, com consulta a entidades extra-académicas interessadas, e sob a supervisão de um coordenador geral que garanta a homogeneidade de princípios e critérios entre os diversos grupos disciplinares.

30.4.2003