A aprendizagem ao longo da vida

João Vasconcelos Costa

A aprendizagem ao longo da vida (“life-long learning” ou, abreviadamente, LLL) é uma nova actividade do maior interesse para as universidades e escolas politécnicas, públicas ou privadas e que está na ordem do dia em todo o mundo como uma das novas prioridades da actividade universitária. Quase inexistente em Portugal, ela é necessária e urgente. É uma contribuição decisiva para a qualificação geral dos portugueses e para o aumento da competitividade nacional, além de ser uma fonte adicional e não desprezível de proventos para as instituições.

Tradicionalmente, e ainda até há bem pouco, a universidade preparava para toda a vida. A evolução dos conhecimentos era relativamente lenta e as empresas eram estabelecidas sobre processos de produção ou funcionamento e tecnologias de longa duração. O estudo universitário era limitado no tempo, era uma fase bem definida da vida de cada um e era considerado praticamente como definitivo. Da mesma forma, acabada a escolarização básica e secundária, havia a grande bifurcação. Ou se ia para a universidade ou se ia para o trabalho. Quem ia para o trabalho rompia definitivamente com o estudo. Podia ter uma formação inicial na entrada no mundo do trabalho, mas ficava-se por aí. O mesmo acontecia aos graduados da universidade uma vez concluídos os seus estudos.

Esta situação mudou radicalmente. Não só já é praticamente impossível facultar preparações específicas para toda a variedade de práticas profissionais como, principalmente, estas formações ficam rapidamente ultrapassadas e necessitam de actualização e mesmo de reconversão. A entrada no trabalho mostra logo aos jovens que ainda têm que aprender verdadeiramente a sua profissão e que a base de conhecimentos dessa profissão está a mudar tão rapidamente que eles terão que estudar toda a vida. É o novo conceito de aprendizagem ao longo da vida. Os jovens actuais vão competir a todo o tempo com novas gerações cada vez melhor educadas e com maior actualização de conhecimentos e vão ter que compensar continuamente, pela formação permanente, este défice competitivo. De acordo com “Futurework”, um documento do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, as ocupações profissionais que requerem uma qualificação universitária estão a crescer a velocidade duas vezes maior do que as outras.

Estima-se hoje que 15 a 20% do tempo profissional terá que ser dedicado à formação permanente. Mas até há bem pouco, a única possibilidade para o trabalhador se actualizar era frequentar cursos nocturnos convencionais, em geral com grande sacrifício e desconforto e exigindo uma grande motivação pessoal. Hoje é a universidade que vai ao encontro do trabalhador, porque o estudante trabalhador não pode frequentar presencialmente as aulas durante anos e anos, sujeito ao horário escolar normal que para ele é também o horário de trabalho. A aprendizagem ao longo da vida é obrigatoriamente o ensino à distância, é a aprendizagem em casa ou no trabalho, por meio das novas tecnologias da informação. Em casa ou no trabalho, o estudante aprende assistindo a transmissões televisionadas ou por vídeo, o que já vai sendo um processo ultrapassado, ou ao computador, estudando por CD-ROMs ou acedendo a lições na Internet.

Também as empresas deixaram de ver a formação permanente como um luxo ou até como prejuízo, por roubar tempo de trabalho do seu pessoal. Aceitam-na hoje como um factor essencial do seu enriquecimento, na medida em que o seu capital determinante é hoje o capital intelectual. A revolução industrial foi alimentada pelo capital físico: as fábricas, as máquinas, a força física dos operários, os meios de transporte. A partir de meados do século XX, a tendência virou-se para as coisas e serviços, os operários deixaram de ser peças animadas de uma linha de montagem e passaram a ter que dar resposta às mais variadas solicitações, tanto dos patrões como dos clientes. O resultado por ora final desta evolução da idade industrial para a idade da informação é a presente situação, com uma mudança dramática da ênfase no capital físico para o capital humano e intelectual. A vantagem competitiva de uma empresa deixou de ser o capital físico e a força da produção, passou a ser o capital humano e a rapidez de adaptação.

Os trabalhadores qualificados actuais, mesmo entre nós, mostram muito menor fidelidade de emprego. Enquanto que a qualificação significava geralmente uma movimentação no sentido das responsabilidades no interior da empresa, hoje cada vez mais ela significa a movimentação entre empresas diferentes. As empresas tendem por isto a garantir melhores recompensas da qualificação, mais do que a garantir a simples estabilidade laboral. É condição para a fixação dos melhores quadros e para competitividade no recrutamento. Um desafio que se lhes coloca cada vez mais é o de conseguir, de forma estável, integrar no seu capital intelectual organizacional este capital pessoal muito volúvel. Mesmo em organizações tão atrasadas neste aspecto como são os nossos organismos públicos, temos a experiência de como a disponibilização de formação, mesmo a níveis elementares, é um factor importante de fixação do pessoal.

Por outro lado, a elevação do nível cultural geral, a maior apetência pela cultura e pelo conhecimento, a pressão social da sociedade da informação e a dinâmica da rede de informação em que nos movemos, conjugadas com maior disponibilidade pessoal (encurtamento dos tempos de trabalho, reformas antecipadas, etc.) fazem aparecer cada vez mais um outro género de procura tardia da universidade, mais difuso e de tipo mais cultural genérico. É um tipo muito especial de procura, porque não tem por fim uma formação profissional específica. Tem a ver com os interesses culturais pessoais. Uma pessoa destas pode ao mesmo tempo estar a pedir à universidade informação em mecânica quântica, genética molecular e história da música.

Mesmo em relação à formação inicial, tende a aparecer um número significativo de jovens que a quer fazer em maior liberdade, em sobreposição ao trabalho ou a outras actividades pessoais. Os jovens amadurecem mais cedo e sentem também mais cedo a necessidade de emancipação da família. Muitos querem prosseguir os seus estudos mas, ao mesmo tempo, serem independentes economicamente. A possibilidade de seguirem estudos em tempo parcial e com menores constrangimentos físicos e de tempo, conjugados com o trabalho, é crucial para eles.

A universidade homogénea dos jovens na continuidade da fileira de estudos pré-profissionais está a transformar-se cada vez mais numa universidade heteróclita quanto ao seu público, com motivações diferentes e com necessidades de resposta diferentes. Para jovens em formação inicial, para adultos trabalhadores à procura de formações particulares e especializadas, para outros com desejo de informação mais ecléctica e diversificada mas sempre muito pessoalizada, as ofertas educativas, os conteúdos e métodos de ensino e os seus veículos técnicos terão de ser forçosamente muito diferentes.

O que se pretende hoje, na sociedade da informação e do conhecimento, é levar a informação certa à pessoa certa no momento certo. A universidade tem que mudar muito radicalmente para preencher este novo papel. No entanto, isto não é imediato, porque a maioria dos professores ainda não sente esta necessidade, mesmo no seu desempenho pedagógico tradicional. No quadro das mudanças introduzidas pela revolução da informação, o ensino formal é talvez um dos menos afectados pelas modernas tecnologias. 

Os avanços da tecnologia revolucionaram as comunicações, os transportes, a banca, a assistência médica, até toda a nossa vida quotidiana, mas em muitos aspectos, os processos e métodos de ensino continuam os mesmos. Os professores continuam a ser os mesmos debitadores de factos e informações em frente dos alunos, numa tradição histórica que vem dos lentes medievais, apesar de todas as vozes clarividentes que sempre defenderam que o cultivar da capacidade de pensar é que é a verdadeira educação, mais do que a simples transmissão temporal da informação.

O ensino à distância

Apesar desta inércia da universidade, ela está a mudar. A primeira mudança introduzida na universidade para dar resposta a esta nova situação foi a do ensino à distância, de que foi pioneira, em Inglaterra, a Open University e, entre nós, a Universidade Aberta. Mas não se pense com isto que o ensino à distância é um tipo de ensino próprio de universidades especializadas como estas. Ele é hoje uma actividade de inúmeras universidades e está em expansão explosiva. Uma pesquisa na Internet com as palavras chave “distance teaching” resulta no número espantoso de 238.105 páginas.

O ensino à distância corresponde hoje a solicitações e pressões políticas, sociais e económicas de vários tipos. É uma nova fonte importante de receitas para as universidades, a compensar a baixa progressiva das receitas tradicionais das propinas, pela diminuição previsível do número de estudantes, devido à evolução demográfica. Corresponde aos interesses das empresas, porque é uma alternativa de menores custos para a empresa, que pode ter um formato específico de ensino correspondente aos seus interesses particulares, porque evita a deslocação do trabalhador do local de trabalho para o local de ensino e porque permite a acção formativa em acumulação com o exercício profissional. Corresponde também aos interesses políticos, porque resulta em ganhos estatísticos importantes em relação à educação superior sem necessidade de grandes investimentos em edifícios e equipamentos e porque combate a exclusão social, levando a educação superior a largas camadas sociais tradicionalmente excluídas. Com economia de custos, os governos podem dizer que educam mais estudantes e com maior peso relativo das camadas socialmente mais desfavorecidas.

Até há poucos anos, o ensino à distância baseava-se quase exclusivamente na transmissão de aulas pela televisão. Em alguns casos, o ensino até estava estruturado de forma a exigir a deslocação do estudante a um lugar em que a assistência ao programa televisivo se fazia em grupo e com monitor, como se continuasse a ser uma turma universitária, só que à distância da sede da universidade. Esta situação está a mudar radicalmente com a Internet e as novas tecnologias multimédia. O novo ensino à distância é o ensino electrónico, agora vulgarizado pela designação inglesa “e-learning”. Tira partido de uma grande variedade de tecnologias da informação, do correio electrónico até à vídeo-conferência, passando, obviamente, pela omnipresente “web”. Usando novamente como indicador a pesquisa na Internet, tem-se hoje acesso a 171.000 páginas com conteúdo relacionado com “e-learning”.

O novo ensino à distância faz-se em duas modalidades. Na forma síncrona, mais convencional, os estudantes têm sessões conjuntas de aprendizagem em tempos determinados, com apoio de um monitor. São aulas virtuais, colectivas e interactivas. As sessões são ao vivo, com recurso a tecnologias de comunicação simultânea, como a tele-conferência e a videoconferência por computador (“streaming video”), os “net meetings”, a comunicação de grupo por “chat”. A vantagem é a da maior interactividade, a de maior discussão e de aprendizagem pelos erros e ideias dos outros participantes e a mais fácil interacção com o formador. Mas com a desvantagem de maior constrição temporal, em que os estudantes são obrigados a um horário rígido, em sessões colectivas. Na sua forma assíncrona, o “e-learning” é totalmente pessoal e ao inteiro critério do estudante, que acede aos conteúdos educacionais por meios individuais e em tempo próprio, tais como a “web”, o correio electrónico e as suas listas, as bases de dados de discussão, as discussões encadeadas (“threaded discussions”), os “streaming videos”, a animação tridimensional, a narração por voz e os CD-ROMs interactivos. A especialização destes meios no sentido da educação já deu até origem a novos termos, tais como “computer based training” (CBT) e “web based training” (WBT).

O “e-learning” vem também contribuir para alguns progressos do ensino tradicional. Por exemplo, ele está hoje a ser utilizado em algumas das principais universidades americanas para o ensino propedêutico de estudantes liceais candidatos a essas universidades, bem como a permitir uma avaliação mais rigorosa desses candidatos. Por outro lado, o chamado “dorm learning” ou a aprendizagem nos dormitórios, recorrendo às novas tecnologias, é um importante auxiliar do ensino convencional. O estudante segue os cursos presenciais tradicionais mas depois usa no estudo as novas ferramentas electrónicas.

De todas as possibilidades comunicacionais e tecnológicas, a Internet é certamente a mais promissora, até porque se pode conjugar com as outras. Ela permite fornecer a informação a qualquer um, em qualquer lugar, em qualquer momento. Permite um número praticamente ilimitado de ilustrações gráficas, inclusivamente animadas ou ao vivo e de efeitos especiais que fixam a atenção nos pontos mais significativos da aprendizagem. Com a inclusão de perguntas nos materiais interactivos, permite respostas imediatas, mais facilmente ainda do que na sala de aula, inseridas no percurso educativo, respostas que podem ser logo aferidas e conduzindo automaticamente a percursos alternativos. Tem só a limitação de, neste momento, estar mais adequada à forma assíncrona de “e-learning”, com as limitações de interactividade e dinâmica de grupo que esta forma tem.

Com estas tecnologias, “e-learning” significa tempo e tempo é dinheiro, tempo é vantagem competitiva. Na vida económica actual já não ganha o mais forte mas o mais veloz. O “e-learning” é capaz de adaptação muito rápida. Pode actualizar muito facilmente os conteúdos educacionais e difundir instantaneamente essa actualização na Internet ou numa intranet, sem a despesa e a morosidade de uma reedição de um livro ou de outros materiais de ensino. Isto permite que as empresas contratem com as universidades, em prazos curtos, cursos específicos sempre actualizados, em função das necessidades pontuais de formação, o que agora se chama a aprendizagem no momento (“just-in-time learning”).

Na nova concepção de aprendizagem facultada pelo “e-learning”, o aluno fica com muito maior capacidade de decisão e de adaptação da formação ao seu próprio objectivo e estilo. Pode definir o seu próprio percurso (para o que a oferta deve ser muito focalizada, mas também muito diversificada), pode definir o seu ritmo próprio, o seu horário e aprende de acordo com o seu próprio estilo de aprendizagem e as suas características psicológicas. Aprende onde quer, quando quer e como quer. Pode programar os estudos de forma continuada e clássica, pode fazê-lo por períodos determinados, interruptos, de acordo com as suas disponibilidades de tempo, de trabalho ou de lazer. Pode organizar os muitos módulos de educação oferecidos de forma a reuni-los em conjuntos a que corresponda uma qualificação de grau académico ou pode antes segui-los apenas de acordo com as suas apetências culturais ou com objectivos profissionais bem definidos, à base de um perfil estritamente pessoal ou combinado com a sua empresa.

Por isto, os cursos por aprendizagem electrónica tendem a ser organizados de forma mais liberal do que os cursos tradicionais. Na aprendizagem à distância, é muito mais fácil a um estudante reunir módulos muito distintos do que no ensino presencial, sujeito a constrições organizativas da universidade, a horários rígidos muitas vezes causando incompatibilidades em relação a disciplinas facultadas por departamentos diferentes à mesma hora. A universidade virtual funciona vinte e quatro horas por dia e nada impede que um estudante “frequente” ao mesmo tempo biologia molecular e história da arte. É o novo princípio chamado de “pick and mix”, “apanha e mistura”, hoje em vigor na generalidade das universidades que estão a fomentar estes novos tipos de formação. A formação é ao mesmo tempo difusa em termos do acesso a muitos tópicos de formação mas muito mais focalizada em termos de competências específicas ou perfis pessoais de informação.

Um balanço ainda difícil

A aprendizagem à distância é hoje uma realidade em expansão e de utilidade indiscutível. Todavia, para se ser honesto, nem tudo são rosas neste novo panorama. Em primeiro lugar, em relação à aceitação pública desta nova realidade educativa. Ainda há relutâncias e desconfiança em relação ao valor social e ao reconhecimento prático dos “e-cursos”. Como dizia em entrevista Leonard Evenchik, director da divisão de ensino à distância da Universidade de Harvard, boa parte do seu tempo de trabalho é gasto a atender candidatos receosos e a assegurar-lhes que vão seguir cursos de Harvard autênticos, com o mesmo valor dos cursos tradicionais.

Generalizar a aprendizagem ao longo da vida também não é fácil, devido a fortes constrangimentos psicológicos, sociais e económicos. Eles aparecem recorrentemente em todos os inquéritos que têm sido feitos sobre este assunto. A aprendizagem extra-escolar é cara e pouco subsidiada, a não ser no caso em que é encomendada pelas empresas para formação profissional do seu pessoal. As empresas tem por vezes interesses específicos que não encontram resposta na oferta de cursos e não há um diálogo fácil entre as empresas e os fornecedores de formação. Muitas pessoas queixam-se de falta de tempo extra-laboral para poderem seguir eficazmente cursos de formação à distância. Isto é particularmente importante no caso das mulheres, tantas vezes sobrecarregadas com as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos. A aquisição de um computador e a assinatura de uma ligação à Internet é por vezes um peso considerável na economia de famílias de menos recursos. Muitas pessoas não têm informação suficiente sobre as vantagens e oportunidades da formação ao longo da vida e até se verifica, em muitos casos, o medo de defrontarem qualquer coisa que lhes parece um obstáculo inultrapassável.

Há ainda muitas questões técnicas por resolver e constrições relacionadas com o equipamento doméstico ou com o acesso à Internet. Com excepção das ligações por linha RDIS, por ADSL ou por cabo com bidireccionalidade, o tráfego ainda é lento, o que aumenta os custos da ligação telefónica. Isto é particularmente importante nas tecnologias de ensino baseadas no “downloading” pesado de audio e vídeo.

O interesse das empresas também não é linear. É fácil, como se viu, argumentar a favor do grande interesse que as empresas devem ter na formação ao longo da vida do seu pessoal. No entanto, entre a teoria e a prática pode ir uma longa distância. Há uma grande diferença entre empresas de boa dimensão e de vistas modernas e a generalidade das pequenas e médias empresas tradicionalistas, que não têm o hábito, nem sequer muitas vezes os meios de facultar formação aos seus trabalhadores. Mesmo nas grandes empresas, há assimetrias nesta formação. Sabe-se que em geral são os trabalhadores já melhor formados que têm mais acesso à formação contínua. Em Inglaterra, estima-se que seis vezes mais licenciados do que os outros beneficiam do ensino à distância. Por cada operário que recebe formação há três administrativos e quatro quadros superiores a recebê-la.

Uma das críticas frequentes à aprendizagem electrónica é a da falta das relações pessoais, a começar com o professor. Mas, ao contrário do que se possa pensar das sessões de “e-learning” (principalmente as síncronas) como sendo impessoais, elas são frequentemente muito comunicativas e até com carga afectiva na relação muito interactiva entre os estudantes. Eles não estão calados e passivos, como na sala de aula, mas sim numa atitude activa de correspondência e de ligação interpessoal. Isto aliás é o que vemos quando os nosso filhos jovens se ligam a um grupo de “chat”, em que geralmente há uma comunicação muito viva (mesmo que nós, pais sisudos, achemos que se trata muitas vezes de conversas primitivas). Nas sessões de “e-learning”, os estudantes tendem a formar os seus grupos de discussão, que se prolongam para além da sessão e que constituem um meio adicional de aprendizagem muito eficaz. Trocam informações, discutem as suas dificuldades na aprendizagem, partilham as suas descobertas de informação na Internet, estimulam-se mutuamente na motivação para a aprendizagem. É por isto que se têm identificado muitos casos de experiências de “e-learning” bem sucedidas apesar de relativa ineficiência do professor. Muitos estudos feitos sobre a aprendizagem electrónica convergem nessa conclusão, da importância da dinâmica de grupo entre os estudantes e do papel essencial do professor-tutor como promotor dessa dinâmica.

Outra crítica frequente é a de que a aprendizagem electrónica exige uma grande familiarização com o computador. Isto é parcialmente verdade e principalmente no que se refere a pessoas idosas, de antes da época do computador pessoal, mas também é certo que hoje a generalidade do “software” é muito amigável, vem acompanhada com tutoriais simples e bons sistemas de ajuda e não requer mais do que um treino reduzido. É ver como os jovens, avessos à leitura de manuais, lidam quase instintivamente com os programas de computador.

Tem-se, por vezes, a ideia de que a aprendizagem electrónica requer equipamento e “software” especial e dispendioso. A generalidade das instituições de ensino à distância tem isto em conta e elabora os seus produtos de forma a garantir a máxima economia de meios do estudante. Por exemplo, os requisitos de computação que a Universidade Aberta inglesa exige são rudimentares e largamente satisfeitos pelos meios computacionais que a maioria das pessoas tem em casa, muito mais nas empresas: um computador com processador Pentium de 100 MHz, Windows, 16 MB de memória RAM, 100 MB de disco rígido e um “drive” de CD-ROM. Quanto a “software”, apenas os vulgaríssimos Word e Excel.

Também se tem apontado o facto de que, ao contrário da aula tradicional, em que impera a comunicação oral, a comunicação escrita é fundamental na aprendizagem electrónica. Seja por “e-mail” seja por listas de discussão ou participação em “news groups”, a participação do estudante faz-se por escrito e muitos estudantes não têm bem desenvolvida a aptidão para a comunicação por escrito. Mas também é verdade que, ao exigir o treino nessa capacidade, a aprendizagem electrónica acaba também por ter a vantagem de a desenvolver.

Como se vê, algumas das críticas ao ensino à distância e à aprendizagem electrónica têm por base uma comparação entre a aula presencial tradicional e o ensino à distância. Esta é uma falsa questão. Não está em causa substituir as aulas tradicionais. Elas continuarão a ser o veículo de ensino para todos os estudantes que podem seguir os estudos universitários convencionais. Mas, para todos os outros, o ensino à distância é a única solução, seja ou não comparável com o ensino tradicional. Não havendo outra solução, o que é essencial é dar-lhe qualidade mas nos seus próprios termos, não obrigatoriamente em comparação com o ensino presencial.

A expansão do ensino à distância e da aprendizagem electrónica

O ensino à distância é hoje um “e-business” que ultrapassa largamente as clássicas instituições de ensino. Esta nova área de negócio é hoje partilhada por empresas, pelas universidades tradicionais e por um novo tipo de universidades, as universidades de empresa (“corporate universities”). Também seguindo a moda de outros negócios, até se assiste nesta área ao “franchising”, em que uma universidade, em geral de um país desenvolvido, licencia o seu ensino à distância a uma instituição de outro país. Esta tendência para o ensino transnacional está a crescer e a merecer atenção dos países alvo deste novo mercado, que inicialmente era dirigido principalmente para o Terceiro Mundo mas que agora já começa a entrar na Europa*.

Nos Estados Unidos, são bem conhecidas e bem sucedidas muitas empresas que fornecem ensino electrónico a nível universitário. São, por exemplo, a FT Knowlwdge, a Click2learn, a Global Education Network e a Online Learning.net. Outras até adoptam a figura de universidades, como a Bircham International University (que já tem um centro de apoio em Portugal), a Harcourt University ou a Jones International University. Para quem estiver interessado em mais informação, todas têm páginas na rede muito informativas. Muitas das novas empresas de “e-learning” têm o seu próprio pessoal académico ou pelo menos um núcleo de pessoal próprio, contratando com professores individuais o fornecimento de conteúdos. Outras estabeleceram colaboração com universidades para difusão do seu ensino. É o caso, por exemplo, da parceria da FT Knowledge com a Universidade de Michigan, da Online Learning, que leva a mais de 17000 estudantes os cursos da célebre UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), ou ainda da UNEXT, que criou uma universidade virtual, a Cardean University, em consórcio com as universidades de Columbia, Chicago, Stanford, Carnegie Mellon e com a London School of Economics, incluindo vários prémios Nobel nos seus fornecedores de conteúdos educativos.

Mas também as universidades tradicionais têm sabido corresponder às novas procuras de ensino ao longo da vida, embora com maior dificuldade porque, em geral, não dispõem dos recursos tecnológicos e do espírito empresarial que são necessários a este novo tipo de acção educativa. Os requisitos técnicos são muito pesados e onerosos, embora se pense que cada unidade de custo em hardware e software corresponde a cinco unidades em valor de conteúdos, que portanto são o componente determinante. Algumas grandes universidades americanas estão a instalar os seus próprios recursos técnicos para o ensino electrónico ou a criar as suas próprias empresas de tecnologias de informação e de software multimédia. Outras, em maior número, associam-se a empresas de telecomunicações ou de tecnologia da informação. Este modelo, de “application service provider”, é o mais económico. Não exige novos recursos técnicos da universidade nem causa desvio dos recursos informáticos já afectados a outras actividades, reduz a necessidade de investimentos e facilita a negociação de “upgrades” frequentes. Mas tem a desvantagem de pôr problemas de propriedade industrial e intelectual e de segurança no acesso aos dados. Esta tendência para as parcerias vai ao encontro do que se está a passar, em geral, no mundo da comunicação electrónica. 

Nos Estados Unidos, são já muitas as universidades com actividades de extensão educativa no sentido da aprendizagem ao longo da vida. Pelo seu grande prestígio como universidades tradicionais e pela importância que estão a dar ao ensino à distância, saliento a Universidade de Harvard e a Universidade de Stanford, que aliás acabam de firmar um acordo de colaboração para potencialização dessas suas acções educativas. Outro gigante do ensino á distância é uma universidade relativamente recente com fina lucrativos, a Universidade de Phoenix.

A situação na Europa

Na sequência do Conselho Europeu de Lisboa, de Março de 2000, a Comissão Europeia decidiu uma iniciativa e-Learning (ver Comunicação da Comissão COM(2000)318, de 25.5.2000), integrada no plano de acção eEuropa. Para isto, os estados membros serão encorajados a utilizar recursos provenientes das suas dotações dos fundos estruturais e a Comissão mobilizará meios para esta iniciativa a partir dos programas educativos e de formação (Sócrates e Leonardo da Vinci) e do programa de tecnologias para a sociedade de informação IST, bem como abrirá linhas de crédito especiais no Banco Europeu de Investimentos.

Mesmo assim, como reconhece a Comissão Europeia, a Europa está atrasada em relação aos Estados Unidos e produz uma parte muito reduzida dos programas, produtos e serviços multimédia destinados ao “e-learning”. A International Data Corporation estima este mercado mundial em mais de 2 mil milhões de dólares anuais, mas quase 80% cabem aos Estados Unidos. Outro obstáculo considerável a um reforço do papel da Europa neste domínio é o elevado preço das suas telecomunicações, em comparação com os Estados Unidos. 

Apesar do atraso, a Associação Europeia das Universidades com Ensino á Distância já congrega 18 membros de 14 países, com um total de alunos superior a 900.000.

Vários programas nacionais de aprendizagem ao longo da vida (Suécia, Holanda, Dinamarca, Reino Unido) têm enquadrado e apoiado actividades já há muito em curso, principalmente da iniciativa de universidades com actividade importante de ensino à distância. Na Europa, o ensino à distância é ministrado em várias modalidades. Em cinco países, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Espanha e Portugal, há universidades especializadas no ensino à distância e que só ministram este tipo de ensino. É o caso da nossa Universidade Aberta. Em maior número de países, o ensino á distância está descentralizado por várias universidades ou resulta de consórcios entre universidades ou departamentos.

O melhor exemplo e o mais conhecido de uma universidade especializada no ensino à distância é o da Universidade Aberta inglesa. Ela é um gigante, com mais de 11.000 membros e mais de 250.000 estudantes. Só a sua escola de gestão, a mais frequentada, tem para cima de 25.000 alunos. A sua qualidade confere-lhe grande reputação, estando sempre classificada entre as dez melhores universidades britânicas. A sua relação com o mundo económico é muito forte, tendo mais de 30.000 empresas como patrocinadoras de acções formativas. O seu ensino inclui as ciências, as humanidades e as tecnologias, conferindo o grau de “bachelor” ou o mestrado. Mas todos os cursos estão organizados modularmente e cada pessoa, se não tiver por objectivo a obtenção de um grau, pode seguir qualquer combinação de cursos, para formação profissional ou para uma formação cultural geral. 

Um desafio para as universidades portuguesas

Com excepção de algumas experiências pontuais e ainda experimentais, todo o ensino à distância em Portugal é ministrado pela Universidade Aberta. As suas actividades de formação pelo ensino à distância, principalmente ensino televisionado, incluem licenciaturas, principalmente em línguas mas também em história, ciências sociais, gestão, informática e matemática aplicada, deixando de lado as ciências exactas e naturais e as engenharias. Os métodos ainda são relativamente clássicos, porque, segundo creio, a produção de materiais de ensino limita-se a áudio e vídeo. Há ainda um longo caminho a percorrer pela Universidade Aberta na exploração de todos os outros recursos actuais das tecnologias da informação.

Fora o caso da Universidade Aberta, a universidade portuguesa, com o seu muito característico ritmo lento, só acordou recentemente para esta revolução. A Universidade de Aveiro já arrancou com um projecto de universidade virtual com ensino pela Internet. Também já foi constituído um consórcio de outras universidades (Minho, Aveiro, Algarve e Porto) com a Universidade Aberta para colaboração nesse sentido. É possível que haja mais experiências, mas desconheço-as ou não têm tido a devida publicidade.

Qual o caminho previsível em Portugal? Por um lado, ver-se-á o aparecimento de entidades transnacionais com uma oferta direccionada especialmente para o caso português. É o caso da Bircham International University, que já tem uma estação de apoio em Portugal ou da Universidade Politécnica de Madrid, com os seus mestrados à distância já frequentados por um número significativo de portugueses. Mas não serão provavelmente muito competitivas, pelo menos nos tempos próximos, principalmente pelos problemas relacionados com o reconhecimento oficial da formação e com as cautelas do mercado. Portanto, as universidades portuguesas ainda têm uma posição relativamente confortável neste domínio, mas só se souberem preparar-se a tempo. 

Há diversas modalidades de organização do novo ensino que as universidades podem adoptar. Isto dependerá das suas opções políticas mas também dos seus recursos. A modalidade mais baixa em perfil da universidade é o simples fornecimento de conteúdos a empresas que aparecem como tal, com a sua marca, no mercado do “e-learning” e que são a interface visível para o estudante, como é o caso do projecto da Academia Global. Pode ser uma forma fácil das universidades acederem às novas tecnologias mas com a desvantagem de diluírem a sua imagem na da empresa de suporte.

Por isto, mais vantajosa para as universidades é a outra modalidade, a da responsabilidade directa da universidade, que aparece ao estudante como o fornecedor inequívoco do serviço, com destaque para a sua imagem institucional. Muito provavelmente, o mercado deseja uma grande identificação entre o novo “e-learning” e a universidade tradicional. Neste sentido, a imagem pública de cada universidade deve manter-se também em relação ao seu ensino à distância e isto favorecerá que cada universidade desenvolva o seu projecto próprio, sem prejuízo das colaborações e economias de escala. O estudante não verá o que está por detrás, isto é o fornecedor da tecnologia de informação. Este fornecedor poderá ser uma empresa, em sistema de “application service provider”. As vantagens e desvantagens desta modalidade para a universidade já foram discutidas. Em todo o caso, ela poderá ser a modalidade necessária, em termos de economia de recursos das universidades. Como nível mais elevado de responsabilidade das universidades, há finalmente a modalidade de elas próprias, individualmente ou em parceria, constituírem a sua própria base tecnológica do ensino à distância. É, como se viu, a solução adoptada por algumas grandes universidades americanas, mas que têm recursos de que as nossas não dispõem.

Em todo o caso, lançar uma acção de ensino à distância não é tarefa fácil. Para além da necessidade de um estudo económico rigoroso e se ter que negociar com o Governo o reconhecimento oficial dos graus concedidos pelo ensino à distância, a dinâmica empresarial deste novo tipo de ensino é também praticamente incompatível com as tradições organizativas e funcionais da universidade. O novo ensino não deve ficar a cargo só das estruturas universitárias típicas. É conveniente que venha a caber a novas estruturas universitárias, especialmente desenhadas para este fim e dirigidas por pessoas com perfil diferente do tradicional perfil académico, pessoas dinâmicas, com sentido estratégico conjugado com sentido prático. 

O lançamento do ensino à distância, particularmente de tipo assíncrono, tem também enormes implicações na preparação e desempenho pedagógico dos professores. É um método radicalmente novo, com novas exigências, para o qual não estão preparados. Tem uma linguagem própria, que precisa de ser aprendida. É certo que isto também se vai fazendo com a experiência, mas as universidades interessadas na aprendizagem ao longo da vida têm que contar com o investimento adicional da formação de professores versados em “e-learning”. 

Finalmente, uma nota sobre o papel do Governo. O programa da sociedade da informação pode dar grandes oportunidades ao desenvolvimento de uma actividade nacional de aprendizagem ao longo da vida. Pode promover e apoiar parcerias entre fornecedores de conteúdos educacionais e fornecedores de telecomunicações e tecnologias de informação. Pode subvencionar o esforço financeiro individual para a aprendizagem. Pode apoiar projectos sociais, da iniciativa de autarquias ou sindicatos. Pode financiar os projectos de aprendizagem ao longo da vida das universidades e dos politécnicos. Pode criar uma agência de certificação de qualidade do ensino à distância. Pode organizar e financiar uma campanha de promoção da aprendizagem contínua na administração pública. Pode difundir informação sobre as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida. E muito mais.

21.1.2003