Os bancos de jardim sempre desempenharam um papel importante na minha vida. Poisio no jardim de Angra do Heroísmo do meu grupo terceirense, nas férias inesquecíveis que os meus pais me ofereceram pela dispensa de exame do 2º ano, entregue aos desvelos do meu primo/tio António. Longas horas de namoro num banco do Jardim Sena Freitas em Ponta Delgada, com alcance do olhar vigilante do futuro sogro, lá na janela do escritório que dava para o jardim. Idem em Coimbra, no Jardim da Sereia ou no Choupal. Umas vezes em namoro, outras em tertúlia.
E também o sentar ritual a cada vez que vou à minha terra, no banco do Campo de S. Francisco em que Antero se suicidou, a recitar para mim próprio Os Cativos, que ainda tenho na memória. Ironia máxima, na parede atrás está inscrito o nome do convento: Esperança. Antero tinha-a perdido.
Com anos de vida sobreocupada, perdi o hábito, até à minha reforma neste recanto tranquilo e verde da Quinta Grande, em Alfragide. E lá está, mesmo ao sair de casa, aquilo a que a minha neta, ainda mal falando, já chamava de o banco do avô, que ela também partilha.
É nele que, todas as manhãs, leio o correio do dia e os jornais, no iPad. É também aí que, ao longo dessa leitura, vou mandando “mails” para mim próprio com ideias para comentários, “posts” ou artigos. Por vezes são mais de uma dúzia, embora, ao voltar para casa, boa parte vá para o lixo, não resistindo a uma segunda leitura.
Mas o meu banco é muito mais do que isso e muito mais do que o simples e necessário ato de sentir ar fresco e uma brisa na cara, de ouvir pássaros, de ver as nuvens em movimento, coisas que combatem a tendência de velho feito artrópode, metido na sua carapaça de enquistamento na dezena de metros quadrados do seu íntimo espaço caseiro.
Ele é principalmente o meu observatório da vida banal, mas que é a vida real, o que me defende de alguma tendência que tenho para a abstração e a teorização. Como na Carmen, “l’on regarde passer les passants. / Sur la place / Chacun passe, / Chacun vient, chacun va; / Drôles de gens que ces gens-là. / Drôles de gens! Drôles de gens!”. E quantas vezes, mais do que as tais notícias, são coisas banais, dessa drôle de gens que me suscitam motivos de reflexão, de análise da vida e da sociedade. Uma conversa em voz alta no telemóvel, uma forma de vestir, um incidente com os cães que muita gente aqui vai passear, uma simples expressão.
É a vizinha que fala interminavelmente dos hábitos alimentares e da saúde da sua cadelinha. É o gerente do restaurante ao lado, que me vem dizer qual é a ementa do dia e faz reparos sobre a carestia no mercado em que se abastece. É a técnica reformada de um instituto de investigação que conhece todos os meus antigos colegas e que deles sabe histórias deliciosas. É a senhora sábia, de que não sei nada mas também sei muito, porque conversávamos muito sobre o meu último livro e que para ele contribuiu com algumas ideias. É um vizinho rabujento, cheio de “clichês” à Chega, mas bom homem, que me exercita na discussão política com um homem comum.
Mas é principalmente a conversa frequente com um filósofo espontâneo que me faz recordar oAlfie do My Fair Lady, o pai da Elisa que o Prof. Higgins recomendou como o maior filósofo prático da Inglaterra. Alfie era homem do lixo. Este meu amigo de quem nem sei o nome é varredor de rua da junta de freguesia. Garanto que nunca dou como perdida uma conversa com ele.