“Clico” na ligação de um artigo com título chamativo e vou ver quem é o autor, que desconheço. É fulano, ativista. Esta do ativismo/ativistas já começa a irritar-me.
Não é que eu seja de reações intempestivas. Pelo contrário, sou mesmo um homem exemplarmente moderado, comedido, nada dado a radicalismos ;-). Mas esta do ativismo chateia-me, pá!, como dizia o almirante.
No meu tempo e ainda durante bastantes anos depois, era-se militante. Isto significava duas coisas essenciais. Primeiro, era uma atitude global, de luta por um objetivo abrangente, com significado histórico e mesmo transcendente. Podia ser limitado, como a luta antifascista, mas mesmo esta era geralmente inserida numa perspetiva mais ampla, de um futuro social a conquistar. Segundo, era indissociável de um sentido prático, de organização e de uma dimensão coletiva. Descria-se da ação individualista e inseríamo-nos numa organização, fosse ela uma associação, um sindicato ou um partido. Pessoalmente, não militava num pequeno grupo de café mas sim num partido clandestino que era a única forma de dar eficácia ao meu esforço individual.
Parece-me que o ativismo, hoje, é coisa muito diferente. Considero que, na generalidade dos casos, traduz empenhamento no combate, generosidade, altruismo, mas que também revela a desorientação que hoje nos domina. As pessoas que sentem o desejo louvável de intervir não veem a perspetiva global de uma intervenção que vá ao centro da crise sistémica. Esse sistema defendeu-se também nisto, aproveitando perfidamente as energias contrárias para as canalizar para ações inconsequentes.
Deixou de haver a perceção do inimigo principal e as pessoas de bem e lutadoras são confrontadas com uma confusão de tópicos de protesto e ação que, em muitos casos, até convêm ao sistema, como distração. Dividir para reinar, fragmentar, isolar, desorganizar, não são obviamente palavras de ordem do interesse do sistema? Queres dar vazão à tua vontade de protesto? Vem ao supermercado das “causas” e escolhe: coisas antigas mas ainda importantes, como feminismo e antirracismo, também o direito à orientação sexual, mas melhor as versões modernas dessa oferta, o justicialismo anti-masculino, o importantíssimo derrube de estátuas de figuras que tiveram a pouca sorte de viverem em tempo em que os valores de hoje ainda não se vislumbravam.
Mas principalmente coisas mais cool, as focas do Ártico, os burros de Trás-os-Montes, a violação das galinhas pelos galos machistas nos aviários, a criança trans de oito anos que reclama na assembleia andaluza a imediata mudança de sexo (perdão, género!). O imigrante bengali que dorme num buraco nas traseiras da frutaria da minha vizinhança agradece muito todas estas lutas que vão certamente contribuir para a melhoria da sua vida.
Tudo isto corresponde à desagregação dia ideia do sistema e à eliminação do conceito de modo de produção, num movimento que se desenvolveu na filosofia francesa, com o pós-modernismo e o mais nefasto dos filósofos recentes, mas tão apreciado até por alguma esquerda, Michel Foucault. Não há relações sociais na economia social, há poderes difusos e, assim, as lutas devem ser condicionadas por essa difusão de poderes, tudo obscurecido por uma nuvem de narrativas, de subjetivismo, de irracionalismo. A seguir, os meios académicos americanos absorveram isto e levaram-no ao absurdo, misturando com o seu tradicional puritanismo intolerante, sentido de supremacia e messianismo WASP. Mas isto é tema para todo um outro artigo.
Também fica para outra ocasião a discussão da versão “português suave” desta posição, o “pós-modernismo de oposição” de Boaventura Sousa Santos, que critiquei exaustivamente no meu livro “Utopia Hoje”. É uma forma espertinha de fugir ao dilema de que “se o poder está em toda a parte, não está em parte nenhuma”. Fica para próxima ocasião, porque é importante, dado o peso desse sociólogo no meio académico português das ciências sociais.