Nos tempos do jornal em papel, era difícil ver publicado um artigo de opinião. Ou o assunto estava à boca de cena, ou o autor era mediático ou tinha um amigo na redação, senão geralmente enfrentava a recusa de publicação, habitualmente com a desculpa simpática da falta de espaço.
A edição online mudou bastante esse quadro, mas passou-se de um extremo ao outro. Dá a impressão de que agora a publicação de muitos artigos, dos quais só uma pequena fração aparece na edição impressa, é usada como sinal de abertura e pluralismo (mesmo assim, com muitos filtros). Até se chega ao extremo, para essa aparência de acesso público fácil, de um artigo estar disponível online apenas durante poucas horas do dia, sendo depois substituído sucessivamente por outros com igual sorte.
O pior é que essa quantidade está correlacionada (não digo, linearmente, que com causalidade) com óbvia perda de qualidade. Por exemplo, ontem, um dos dois jornais ditos de referência que leio diariamente trazia na versão online catorze artigos de opinião (e isto porque alguns cronistas diários estão de férias – felizmente!). Destes, só 8 (57%, menos do que dois terços) é que abordavam temas minimamente importantes, com alguma seriedade. Os restantes, eram crónicas ligeiras, coisas que estávamos habituados a ler nas revistas de cabeleireira.
Há um padrão notório nessas croniquetas, que a falta de tempo não me permite agora agora discutir. Distribuem-se por vários tipos bem característicos. 1. as afirmações mais ou menos solenes e de indignação virtuosa das certezas ultraidentitárias e dos seus dogmas ideológicos, geralmente uma coleção de chavões. 2. as frioleiras pseudoliterárias de testemunho da vida privada, com destaque para as experiências sexuais – “I don’t give a damn for what you had for breakfast today – or how you fucked last night”) . 3. a psicologia infantil, num sem fim de mensagens contraditórias de “especialistas” (quem é que hoje não é especialista em tudologia?) que se acham tão confiáveis como o saudoso Dr. Spock. 3’ (porque próximo do anterior) os artigos de aconselhadores, da saúde à dietética e aos negócios ou relações pessoais (viva o coaching!), que, como articulistas de jornal, porventura ascendem a um patamar mais nobilitante do que o dos “influencers” de Instagram.
E já repararam em que, colecionando os artigos, de médicos ou outros profissionais de saúde, sobre as mais variadas doenças, podem fazer uma boa (?) enciclopédia médica, um Harrison em versão para todos? Da diabetes à endometriose, da artrite reumatóide à depressão, há de tudo para ir ao encontro das vossas maleitas.