Tenho defendido a proposta, perfilhada pela ONU, de dois estados na Palestina. Um Estado único, democrático, com convivência pacífica das duas comunidades, parece-me uma ilusão irrealista, depois de décadas de conflito a gerar uma atitude mútua de quase ódio.
No entanto, a experiência depois de Oslo mostrou a fragilidade dessa solução. No essencial a Autoridade palestiniana (AP), que aceitou grandes cedências no acordo, cumpriu as suas obrigações mas Israel violou-as sistematicamente depois do assassinato de Rabin e a tomada de poder pela direita sionista, com realce para a instalação de colonatos na Cisjordânia, hoje transformada numa manta de retalhos.
Com isto, a AP, na prática identificada com a OLP e com o seu ramo majoritário, a Fatah de Arafat, apesar de reconhecida internacionalmente como representante legítimo do povo palestiniano, tem perdido credibilidade política, como incapaz de uma resposta eficaz à agressividade israelita. Uma das consequências foi a sua derrota eleitoral em Gaza. Depois disto, há duas Palestinas irreconciliáveis politicamente, a Cisjordânia da AP/OLP, que reconhece o Estado de Israel e defende a partilha e a faixa de Gaza do Hamas, radical e defensor da destruição do Estado judaico.
Com a radicalização desta situação, a AP corre o risco de descredibilização, como acontece sempre aos moderados realistas (até a história lhes dar razão) e principalmente quando o grande patrono de Israel, os EUA, propõem que a solução para Gaza é a entrega da sua administração à AP/OLP. A imagem pública seria a de uma submissão palestiniana aos interesses americanos. Como diz a propaganda do Hamas, não se aceita um poder palestiniano que venha apoiado pelos tanques israelitas.
No entanto, a Fatah não desapareceu de Gaza, mau grado a sua derrota eleitoral. Que poder ainda tem? Como emergirá depois desta ação israelita de aniquilação do Hamas, que nem sequer sabemos se será conseguida?
Com o extremismo em Gaza, que provavelmente sobreviverá a uma possível aniquilação do Hamas, e com o problema dos colonatos, em que vive meio milhão de judeus, uma nova versão de Oslo é agora muito mais difícil.
A AP foi reconhecida internacionalmente, inclusive por Portugal. A romagem de apoio a Israel por todo o ocidente pode ser aceitável num primeiro momento como protesto contra a condenável ação do Hamas, mas acabou por se transformar em apoio de facto à criminosa retaliação israelita, mais evidente ainda pela recusa, seguindo Biden, da exigência de cessar fogo.
No entanto, e tendo em conta que Israel já alargou a sua ação militar à Cisjordânia, diretamente ou por intermédio das milícias de colonos (a base eleitoral da ultradireita israelita), não é possível uma solução de paz que não passe pela AP.
Oslo já não corresponde à situação atual. O principal interlocutor, dado o seu reconhecimento internacional, é a AP/OLP, mas não é realista esquecer que existe o Hamas, que tem o apoio do Irão e do Hezbolah e que ainda controla Gaza. Oslo também foi conseguido com uma situação de predomínio populacional palestiniano na Cisjordânia, hoje desequilibrado coma instalação dos colonatos.
Que plano de paz será hoje possível? Há hoje, pelo menos, dois requisitos que não se punham na fase anterior: uma força internacional de interposição e a internacionalização de Jerusalém. Está a comunidade internacional preparada para isto? Será que a Europa poderá, desempenhar um papel ativo depois da experiência de submissão ao grande boss na guerra fa Ucrânia?