Com as recentes eleições europeias, a ultradireita continua a ganhar força e, contra ela, não parece vislumbrar-se uma resistência eficaz. A direita tradicional, “respeitável”, não é uma oposição credível e até estende o tapete ao vilão, como se vê nas relações entre Ursula von der Leyen e Giorgia Meloni. A esquerda dificilmente dá resposta, enfraquecida pela ofensiva política e ideológica do neoliberalismo e também por erros próprios: o desvio social-liberal da “esquerda à direita” social-democrata, os erros do modelo soviético marxista-leninista que o levaram ao colapso e desacreditaram o movimento comunista internacional em terceiro, o pós-modernismo da “nova esquerda”, que a afastou das massas populares e da prioridade à perspetiva de classe.
No entanto, as notícias da morte da esquerda são precipitadas e exageradas. Podem ser pequenos acontecimentos, como o sucesso eleitoral nas europeias do novo partido alemão BSW, de que falei há dias. Agora, é o anúncio da constituição em França de uma Nova frente Popular, recordando 1936, empenhada no combate firme à ultradireita da União Nacional (Le Pen), que ficou em primeiro lugar nas eleições europeias, com um resultado assustador de 31,4%.
Toda a esquerda, no sentido tradicional, participa na Nova Frente Popular: o seu partido mais forte, a France Insoumise (FI), do ex-candidato presidencial Jean Luca Mélenchon e agora dirigida por Manuel Bompard (9,9% nas europeias), o Partido Socialista e o Praça Pública (13,8%, em coligação), o partido ecologista EELV (5,5%) e o Partido Comunista (2,4%). Este total de 31,6% ultrapassa ligeiramente a votação da União Nacional mas o sistema eleitoral francês, maioritário a duas voltas, introduz distorções.
Se a criação desta frente é globalmente positiva, não deixa de ter alguns pontos fracos e suscitar dúvidas. Desde logo, a inclusão do Praça Pública, um partido bem à direita no espetro social-democrata e que não fazia parte da anterior aliança de esquerda, o NUPES. Só se compreende pela relação com o PS, quentão só concorreu às europeias coligado com o Praça Pública como aceitou como cabeça de lista o presidente deste partido, Raphaël Glucksmann, um político controverso, que tem defendido, nos conflitos e problemas recentes, todas as posições dominantes dos conservadores e neoliberais da UE. Por este motivo, as campanhas eleitorais de Glucksmann e da FI caracterizaram-se por grande hostilidade mútua. Será que vão agora conseguir ultrapassá-la?
Para já, é de notar que a FI fez agora cedências importantes para conseguir a Frente, por exigência do Praça Pública e do PS, nomeadamente as condições postas pelo ex-presidente François Hollande para ser candidato: declaração formal da Nova Frente Popular exprimindo uma orientação europeia, a participação da França na NATO, o envio de armas para a Ucrânia e a qualificação do Hamas como terrorista.
Outro aspeto duvidoso ºe o efeito que poderá ter no eleitorado potencial da NFP, nomeadamente o da FI, a marginalização de Mélenchon, aceite pela direção da FI, mas ainda dotado de grande carisma e atualmente vítima de ataques ferozes e caluniosos sobre o seu pretenso antissemitismo (fazendo lembrar o caso Corbyn). No entanto, Mélenchon, para bem do partido, já declarou o seu apoio às decisões da direção, nomeadamente algumas exclusões controversas nas listas de candidatos.
É inevitável que haja divergências num conjunto tão heterogéneo como é a NFP. Não só as que referi, mas também aspetos fundamentais de política económica e social. Mas todos conseguiram até agora dar os passos necessários para a unidade e encontrar as formulações para chegar a acordo sobre o essencial: fazer tudo para evitar o pior, ou seja, uma maioria da União Nacional, da ultradireita, na Assembleia.